quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Tu viste o que eu vi.




















Não há bela sem senão,
disse alguém.
A convivência leva à concordância. Mesmo que mascarada pelo cansaço, para quem o diz.
A genética é mãe, e o decoro pai.
Não há bela sem senão..., rapaz!, taxativamente.
Ou então; Não há bela sem senão..., escolhe e aceita o lugar que melhor te aprouver, Fernanda., quase taxativamente.
E eles, contentes e felizes, ou pelo contrário, contrariados, lá vão com tal lição na bagagem da indulgência.
E eis que alguém se questiona e vive o sinuoso caminho da normalidade realista e, passo sim passo sim, afirma; Não há bela sem senão!, de facto.
E sai à rua, senhor de sua nova independência, que ainda que pregada às origens do acaso, é sentida e constatada. Fiel, de cabeça erguida e ínfima competência. Como quem ganha o seu primeiro ordenado.
Até que tal vaidade se derreta..., e permaneça em águas de bacalhau, pela entediante repetição. Massacrante sacrilégio sem cobertura idealista ou qualquer espécie de caridade como variante.
Não há bela sem senão..., nem mal que nunca acabe..., nem tão pouco originalidade tão sublime que se veja livre das necessidades base. E da criati
vidade possível e pensada. E dos estalões de chegada e de toda a gente.
Não há.
Mas ainda há! Ainda há quem teime em contrariar. Não contrariar porque sim... Nem tão pouco porque não. Muito menos por alguma coisa ou contra alguém.
Mas fundamentalmente por tudo. Que ainda que não palpável, que não visível... Que ainda que não moral..., ou conseguí
vel... Sabe pela vida.
Que pode ser uma qualquer.
Seja então esta qualquer..., independência atroz. Prisioneira sem fé, viva por dá cá aquela palha..., absorta em águas de bacalhau.


Enfim,
não há bela sem senão!


-Em guerra pelo mesmo; Só se pode perder.-

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Média-sombra

Deixava-se encostar nos ombros da besta, porque seu dorso era quente. Porque este se vergava, se esticava ao comprimento da noite, que ajustava o dia em poucas linhas entrançadas. Numa tira de fios minimalista, bela, com princípio meio e fim.
Encostava-se esgotado, com dificuldade em respirar. E ao contrário da bondade, era acaso sem segurança, sem conforto.

Continuava tenso, embora pendurado no calor do corpo mal esculpido e deselegante do assombro.
Sofreava a bagagem impune e por demais pesada que trazia na alma. E tudo o que ouvia, era apenas o eco dos roncos da respiração da besta sobre o silêncio. Olhava a luz e a sombra no chão.
Alguém abriu a porta ao fundo. Não se mexeu.
Passos apressaram-se a entrar, ressoando como cascos no mármore da sala, e dirigindo-se do lado da penumbra a ele, ouviu;

Desaparece daqui!

Alguém parado, vindo do alto com tom pretenciosamente sereno e concreto encontrava-se perto
.
Finalmente ele mexeu-se. Olhou para cima a custo, e procurou visualmente o vulto que se encontrava agora tapando o único rasgo de luz no espaço.

Procurou-lhe a boca. Procurou-lhe o porte. As feições.
Mas em contra luz não lhe viu nada.
Assim, limitou-se a segredar-lhe com desinteresse na voz e no gesto;

Talvez da próxima vez... Talvez da próxima vez nos encontremos.

E voltou a encostar a cabeça a peso contra o ombro da besta, que colossal, continuava a ressonar, adormecida.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Círio, que é como quem procura a palavra Vela.

Desta vela faço prosa.
Que da sua ardência, torne então grato o seu intento.
Dotada de perfume, sobrepõe o seu aroma de Inverno ao do pavio pregado que arde ao compasso do gelo, que desliza nas margens do rio. Sem qualquer rima encadeada à sua doçura, faço da sua ponta de fogo, um incêndio. Como se dele não esperasse danos. Nunca mais. Nem dor, nem gritos. Como se dele pudesse viver sem que a carne me ardesse.
Só de olhar, faço a prosa. Verso incute à rima. E a rima não acontece. Faz-se. Ainda que naturalmente.
Acendi a vela sobre o tapete estendido no soalho.
E sentei-me a olha-la sem redor.
Esperava adormecer com o embalar do ritmo a que o pavio se deixava silenciosamente arder.
Deixava a cera chorar por mim. E já de olhos fechados, não lhe conhecer mais as cinzas. Como se de nunca se tratasse.
Nunca poesia rimada. Nunca prosa sem incêndio.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

"Foda-se" de Millôr Fernandes (adaptado)

O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de “foda-se!” que ela diz.

Existirá algo mais libertário que o conceito do “foda-se!”?

O “foda-se!” aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Liberta-me.

“Não queres sair comigo?! – então, foda-se!”

“Vais querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! – então, foda-se!”

O direito ao “foda-se!” deveria estar assegurado na Constituição.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

“Comó caralho!”, por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que a expressão “comó caralho!”?

“Comó caralho!” tende para o infinito, é quase uma expressão matemática. Senão vejamos:

“A Via Láctea tem estrelas comó caralho!”

“O Sol está quente comó caralho!”

“O universo é antigo comó caralho!”

“Eu gosto do meu clube comó caralho!”

“O gajo é parvo comó caralho!”

Entendes?

No género do “comó caralho!”, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso “nem que te fodas!”.

Neste caso, nem o “Não, não e não!” e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade “Não, nem pensar!”, o substituem.

O “nem que te fodas!” é irretorquível e liquida o assunto. Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida. Um exemplo: aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência. Solta logo um definitivo e esclarecedor: “Huguinho, presta atenção, meu filho querido, nem-que-te-fodas!”. O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o teu CD (…)

Mas há outros palavrões igualmente clássicos. Pensa na sonoridade de um “Puta que pariu!”, ou o seu correlativo “Pu-ta-que-o-pa-riu!”, falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.

Diante de uma notícia irritante, qualquer “Puta-que-o-pariu!”, dito assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.

E o que dizer do nosso famoso “vai levar no cu!”? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação “vai levar no olho do cu!”?

Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus, quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha do seu interlocutor e solta um: “Chega!! Vai levar no olho do cu!”?

Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima. Desabotoas a camisa e sais à rua, o vento a bater na face, o olhar firme, a cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e um renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registar também aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: “Fodeu-se!”. E a sua derivação, mais avassaladora ainda: “Já se fodeu!”.

Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo do género de quando estás a conduzir sem os documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene da polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? “Já me fodi!”.

Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de fraca competência e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm de baixar, o tempo para a obter tem de aumentar, a população não tem consciência de cidadania e engana as finanças, rouba o Estado e não contribui para o país como deveria..., tu pensas “Já me fodi!”.

Então:

Liberdade

Igualdade

Fraternidade

e

foda-se!!!

Mas não desesperes: este país ainda vai ser “um país do caralho!”.

Atenta no que te digo.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Reafirmação descendente

Cansaço. Até de tentar sentir. Ou de simular não sentir. Ou ambas. Ou nenhuma.
De cores que não são cores.
Histórias que não são histórias.
De trocas que não mexem com o que quer que seja. E que mudam tudo de sítio outra vez.
E dias, que ainda que sendo dias, não me vingam do frio.
Que ainda que sendo uma lufada de alma, não me traz o que deixei por aí e do qual nunca mais soube nada.
Nem cheiro.
Nem calma.
Nem coisa nenhuma.
E tudo ao mesmo tempo.
Cansaço, só ele mesmo, assim,
Cansaço.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Percepção

Evacuados todos os efeitos visuais, percebemos como a voz humana pode ser o mais invasivo, em termos espaciais, de todos os materiais.


Em, Fazer coisas com as palavras, de Ricardo Nicolau

( Análise da exposição Words of Gardens de Luísa Cunha)

sábado, 11 de dezembro de 2010

Daltonismo

Rastejas calma e dissimuladamente através das ervas daninhas. E mesmo que já secas, sorves em ti também a seiva que as abrilhantava de verdura e fluidez.
Envelheces com elas. Acinzentas com a pedra. Monopolizas em todo e qualquer chão. E voltas à verdura da tenra relva, de igual em igual. Em.
Tal e qual o estado vegetativo aos olhos de quem passa e não te vê.

És falaz por eminência.
E da inteireza por onde passas e paras, cumpres elegantemente com fraudulência.
Sem completar ou compor, não erras. Simulas cumplicidade com semelhança.
Um dia passo, olho, e fazes-me vacilar... Pôr até em causa a autenticidade da aproximação. Que decerto questionável, validará com a mesma eficácia o tacto..., que rapidamente usarei, fazendo da cor, forma.

E então?
Achas que ceda, ou tu contrastes?
Achas que algum de nós fuja, camaleão?

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Duas raízes do mesmo vaso.


Do mesmo que abre a porta e põe o vinho na mesa, subtrai o excesso de boa vontade. Se dele aceitas, soma-lhe o sorriso. Se lá e com ele te sentas e bebes, tira o casaco com a mesma dificuldade com que tentaste vestir e despir roupa quando a tua mãe te ensinou. Pela primeira vez. E com a mesma convicção, não coloques o casaco no cabide.
No mais pequeno engano reside a maior das fidelidades.

Origem, é saber que o vinho é mais velho que tu.
Ainda que sejas tu que o abras e degustes. Princípio, é saber que do nada, só se crê ter sido formado o Universo.
E nem esse.

domingo, 5 de dezembro de 2010

E assim se faz o dia.

Há um pequeno desacerto que vive o medieval da minha alma. Qualquer coisa como uma vida passada que nunca existiu, mas que ainda assim foi condenada pela Inquisição, na fogueira.
Não me importava de ter vendido galinhas e bugigangas num mercado de rua, nómada. Não me importava de ter roubado pão e ouro das bancas de alguém, vestida de trapos imundos. Não me importava até de ter sido senhora realeza do castelo escuro e gelado. Ou quiçá fiel servo.

Fiel?
Seria um total desajuste até à forca da praça. Até à condenação. E que vocês me valham, porque nada de mais louvado me conseguiriam dar.

Não que ansiasse a morte torturante a vos vergar a coluna vertebral. Não que julgasse justo me cortarem néscios de verdade, a garganta esculpida de veias e artérias a latejar de vida.

Não.
Mas de vocês, nada mais teria. E a dado certo, só a carta errada.
A minha. A batota fidelíssima.
O negrume e porcaria medievais não são mais que a vossa gentileza comercial de sorriso de esmalte.

Tragam-me os dentes podres! A lacuna das pernas torcidas. Desfigurações mentais e físicas. Expressões horripilantes e desalentadas.Tragam-me a mais verdadeira feiura. A mais imperfeita realidade. A mais sebenta paisagem.
Porque assim todos verão. Todos saberão.
E mal o tempo passe..., mal o tempo crie raízes no mais completo cérebro... Esta será a casa de todos.

E ainda que não haja bancos, cadeiras e poltronas suficientes para todos os que no seu interior se apertam, estes sorrirão contentes aquando o soar da musiqueta do jogo das cadeiras.

E ainda a correrem desvairados em círculos, saberão por fim sentar-se à chuva e ao frio.

Casa são paredes. Não tecto.
E se ao céu erguesse as mãos, seria brindada com um pequeno e mais miraculoso pedaço de merda, de um qualquer pombo, um ainda afortunado voador que usufrua do limbo entre a liberdade terrestre e o caçador.


E assim se faz a noite.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Adeus, que Deus não há!

Acordo e deparo-me contigo ao meu lado. Embrulhado nos lençóis. Escondido no labirinto sem começo nem fim da colcha. Apenas com o teu cabelo sempre revolto como a tua falta de vontade a aparecer aleatoriamente sobre a ponta da almofada.
Já não me lembrava de como eras bonito.
De como quando a noite levava consigo a lua já acendendo a claridade, tu adormecias tão profundamente. Na posição de feto. Protegido num injurioso útero feito de promiscuidade.
Já não me lembrava que os teus olhos de pupilas sempre maiores, ainda que frente a frente com o sol..., também se fechavam. Já não me lembrava de como eras bonito.
Na verdade, o baton escarlate que te vi nos lábios há tanto tempo, havia desaparecido.
Não me manchaste o lençol. Estava imaculadamente branco apesar de ti. Os caracóis que outrora te brincavam na nuca em espirais luminosas ao desafio, havias alisado, agora curtos. A tua pele, essa, continuava macia como o veludo novo.
Toquei-te ao de leve, e nem te mexeste. Dei por ti coberto de penugem por todo o teu corpo que antes conhecera limpo.
Talvez tenhas desistido dos outros. De mim.
Não sei...

Voltei ao de leve a acariciar-te a medo a testa, e depressa retirei a mão, horrorizada.

Estava a escaldar.

Queimei as mãos sem dor mas culpa. Como quem mete as mãos no fogo sem pensar.
Destapei-te rapidamente sob a aflição incontrolável que já não era mais do meu coração.
E fiquei ali...
A olhar para o teu corpo nu. Que ainda em brasa... Estava morto.
Deixei-me ficar estática na cama, o que me pareceu ser meses, anos a fio sem conduta, com as mãos esquecidas no meu rosto, de olhos vidrados e desabitados pregados em ti.

E então, com a lascívia da tua carne a deambular incorpórea na minha boca e na minha pirâmide genital,
ainda sou capaz de me arrepiar.

E lembro-me outra vez.
Que não é mais uma.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Que tudo o que não gosto se mantenha.

A porta do armário com o espelho, está dia e noite aberta... Ainda à espera, em vão, que eu lá vá medir o meu rosto. Outra vez. Pela primeira vez.
E ora a luz não é suficiente e poderá enganar-me a mim antes que a vocês, ou o tempo e a preguiça não mo permitem.
Mas a porta com o espelho continua e continuará aberta.
Um constante e quase doce engano para quem diz ver-me o rosto triste. De quem diz ver-me o rosto nas coisas que encontra contingentemente durante os dias que passam. E nas noites que continuarão a passar.


Que tudo o que não gosto se mantenha.
À distância certa.

(E certa, nem a vida é. Daí ser indiferente ao mundo a porta do meu armário. Mais um entre tantos. Gasto pelo vazio de tanta coisa e tanta gente.)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Devagar se vai ao longe

Devagar se vai ao longe
se eu fosse monge.
Mas como não sou monge
devagar não vou ao longe
só monge.
Mas como eu também
devagar não quero ir ao longe
por isso também não me fiz monge.
Mas como eu também
não quero que se sonhe
que se ponha em questão
a causa da razão
deste poema devagar se vai ao longe
cujo tema é sobre um monge
então por isso neste caso
já não omisso
faço que se diga com isso
amigo ou amiga
mais vale o prejuízo.


António Gancho

terça-feira, 9 de novembro de 2010

P de...

Como se me arrancassem cada bocado meu que ainda nem sequer tive o prazer de conhecer.
Que ainda não moldei para dar. Dar assim. De braços abertos, vénia sob o foco de luz branco. Sobre o ilimitado palco negro.
Como a pantera aprisionada pasmosamente no interior de um dado viciado de ferro ferrugento.
Como se não pudesse mais ponderar lutar contra a languidez completa da fortaleza construída antes de mim. Como se não quisesse mesmo, sem precisar. De tão completa injuriosa, misericordiosa, pestilenta, drogada película que perfaz a verdade em sólidos disformes. Sólidos de exactidão!
Agora vendida.
Eu, vendida sem mini-saia.
Eu, puta.
Eu, puta que não se insinua.
Eu, puta que ao de leve, roço o rosto até à ponta do queixo na parede cheia de fuligem. E espreito de esguelha, com um só olho borratado de rimel o fim da rua à noite, no cruzar da esquina. Sem aragem gelada.
Eu puta, que lustro da cinta até ao rabo incisivamente, no ângulo recto dos caminhos que se cruzam perpendiculares na noite feia.
Em mais uma noite igual.
Pedes, faço.
Sem jeito e sem qualquer apreço ou respeito pelo cumprimento regular.
Rompo-vos o látex, lambo-vos erecto o mandato.
Falo... Falo sem língua, que bem agitada guardo no canto da boca.
E gemo-vos, então, em voz rouca e matematicamente segredada, sempre antes.
E precisando o antes...
Antes de se virem.
Antes de me saber vir... até à luz morta do sol do dia. Até esta, preguiçosa, voltar a raiar nos umbrais.
Como se me arrancassem, mordazes, o cabelo num cabaret despido de tusa e glamour. Triste.

Porém, ao ouvir-me de novo o baque seco do tacão no cimento repleto de beatas..., já a caminho de casa, eu... puta, volto a tirar a peruca.

E, então aí, a luz da lua já alta, sente-se livre para me iluminar a nuca calva e branca como a imaculada porcelana.

E sigo em frente. Eu.
Eu assim.
Puta.

Puta de mim.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O limiar...



...torna-se perfeito.

( Inserido numa curta metragem de 18 minutos..., que, ainda a ver como, quero encontrar. )

domingo, 24 de outubro de 2010

Sempre tive tendência para as coisas tristes.

Sempre tive tendência para as coisas tristes.

Aquelas que alegremente me espremem o sobressaltado coração em mácula.

Desde o primeiro medo da soleira da porta da cozinha dos meus pais, ao medo maior do passado sem futuro. E do presente sem passado. E do futuro esse, sem qualquer futuro. Desde as pequenas rezas por pequenas ambições no meu quintal, pelo Jesus dos outros, até à ideia quase ateísta de idealismo sem ambição.

Sempre conheci do complexo dos passos de quem anda na estrada em bandos. Mais até do que de quem anda sozinho. Tenho os sozinhos por excelência, como meus irmãos da culpa. E sobrava-nos tanto e tanta gente só por acharmos ser assim. Quase juntos. A mais não será, mas recusamo-nos a guarda-los cá dentro.

A beleza abençoada por ninguém da sujidade da calçada. O drama da chuva sobre zinco quebrado. Os olhares negros tapados por pele enrugada.

Uma imagem no vidro, em reflexo de imensas vontades mal vingadas..., era sem dúvida a imagem mais bela. Ver quem a olhasse com a subtileza da procura. O vazio da insensatez achada e guardada para sempre no cofre do peito. A inconsciência do consciente precipitado sobre o mundo desconhecido. Esse mesmo vazio do vidro. Esse mesmo confronto com a delicada frieza da aproximação.

As cores do peixe do aquário do bar da esquina. O leque mexicano a enfeitar a velha televisão na casa alugada de alguém que diz vir do sul. O disparo da máquina fotográfica analógica que perpetua, e o arranhar da agulha no disco que gira sobre o armário da sala. Os círculos disciplinados da água do ribeiro esquecido. O silêncio do que existe.

O vermelho..., também ele é triste. Também ele chora sangue com a tenacidade suficiente para se fazer sentir quente. As linhas de comboio à espera da passagem do tempo. Um alfinete. Um pequeno alfinete, que aperta uma ponta de tecido a outra para salvar, aperfeiçoar, ou simplesmente abrilhantar o que já está composto. O verniz transparente nas unhas curtas. A insuficiência que provoca a maldade.

Porque quando passo por entre as sombras que se colam ao chão, sinto-lhes o ego erguido em mim.

A panela que ferve. O chocolate que borbulha. A sopa que escorre. O azulejo que se desgasta a ver tudo do mesmo lugar, quedo. A madeira que range e estala por capricho de charme.

O nenúfar sem chão e a túlipa fechada.

E ainda que o vidro se parta, (que assim seja!) que o vento que venha de lá esfrie o contorno que desenhou, e do que esteve. E nunca traga o engano de um conjunto de dogmas sob capas de artifícios para me cobrir do frio.

Esta é a melancolia atroz. A mais sentida pelo engano da alma. A maior de todas.

A tendência delicada para as coisas tristes.

A perfeição inconstante do que não interessa à razão aprendida.

Ao compasso da maior festa dos sorrisos.

A felicidade plena ao Sol poente.



Imagem em Deviantart

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

(11:26h em Évora, 2:28h no Dubai...)

Enfrentar-te através do perfume de outra pessoa que por mero acaso se sentou ao meu lado, faz-me lembrar que desafiante teria sido ter-me ganho, quando estava contigo.
Não foi assim.
Lembras-me algo a que nunca recorro e que é valiosíssimo.
Lembra-me do conforto que um dia foste, no tempo que foi. Do banco grande do teu carro. Do calor do teu aquecedor. Da distância tão curta entre a tua mesa e a tua cama.
Do teu peito tão disponível e reservado.
Da tua pele transparente, que fingias em vão ser resistente e densa.
Da maneira como desafinavas sempre tão presente.
Estabilidade quieta e injusta.
Da tua vergonha de rir, impaciente.
Lembra-me de como eramos novos demais. Lembra-me de como ainda não sabia como e o que jogar em mim.
Faz-me querer esquecer que uma vez já tive padrões maiores, e que afinal, hoje, não me dizem nem me são nada.
Faz-me querer ter-te pedido desculpa na altura certa.
Mas isso, teria sido antes de mais..., pedir-te desculpa por ter tentado ser-te sincera com tanta ignorância.
Eras demasiado saudável e feliz para mim.
E disso retirei hoje o total valor..., no perfume da camisa de alguém que por acaso se sentou no café ao meu lado.
O perfume que tu usavas.
Comum, bom, quente, mundano. Lareira no Inverno.
O conforto, que não era inútil.
E que, então, não o foi.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Q

Em todos os poemas há lobos, excepto num. O mais lindo de todos: "...Ela dança num anel de fogo e rejeita o desafio com um encolher de ombros."


Jim Morrison

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Vidro

Por entre aquilo que ela evita; O mecanismo que dita as horas, digno de qualquer pulso percursor de vida..., é onde reside o maior desencontro com o que mais queria. Na força de um segundo, a viragem do sentido.
Todos são felizes e detentores de tudo aos olhos de alguém... O que escolher então, para lhes provar tal gosto com verdade?
As horas..., a ilusão de que tudo ainda é; Tudo aquilo que já partiu. Tudo aquilo que tem de partir. Mas sobretudo, tudo aquilo que devia ter antes partido.

domingo, 3 de outubro de 2010

caixa-segredo

Se finjo mais do que posso... a melodia que vos canto em segredo, só será perfeita se vos confundir no ouvido antes de vos chegar ao raciocínio. Se assim for, será perfeita.
Poderia acompanhar-vos com um tango, no qual o meu corpo coberto de escarlate aveludado, ondularia centrado num qualquer ego, vaidade por entre sombras. Requebrando sensual. Mordaz na tensão dos membros. Quente... A escaldar. Quase, quase perto de vocês...
Seria então uma mentira activamente inacessível. Interventiva de presença.
Mas parei.
Tendo a talhar a minha própria placa de metal de alguns milímetros, com pequenos e finos sulcos que vou estudando ao acaso da falta de emoção da verdade.
Construí um modesto mecanismo de manivela, colei-o cuidadosamente numa outra placa de madeira leve.
O meu último silêncio...advém da paz inteira que me tenho oferecido, quando pinto agora a caixa de cartão que envolverá o meu segredo.
A música será assim. Sem mais nada.
E se finjo mais do que posso, saberão apenas quando girarem a manivela prateada.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Isto, porque...

Eu redijo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas e sou por princípios contra manifestos (...). Eu redijo este manifesto para mostrar que é possível fazer as acções opostas simultaneamente, numa única fresca respiração; sou contra a acção pela contínua contradição, pela afirmação também, eu não sou nem para nem contra e não explico porque odeio o bom-senso.
Tristan Tzara

sábado, 25 de setembro de 2010

"O que há em mim é sobretudo cansaço"


O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...


(Indiscutivelmente, de...) Fernando Pessoa


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

(Boa) Noite


E quando a (boa) noite grita...

Mais forte que as tempestades dos mares do norte
Grita ao ouvido que, colocando-se em posição infortunadamente inclinada, escuta...
O grito...
da (boa) noite...
Aquela, que por ser tão forte na sua magnitude...
Apazigua a alma, de sua doce e frágil paz.
Não lhe abras a porta.
O frio fá-la boa...
O frio fá-la ser. Apenas ser.
Acontecer sem a veres.

"Retrato em Preto e Branco"


É mágoa

Já vou dizendo de antemão
Se eu encontrar com você
'Tou com três pedras na mão
Eu só queria distância da nossa distância
Saí por aí procurando uma contra mão

Acabei chegando na sua rua
Na dúvida qual era a sua janela
Lembrei que era p'ra cada um ficar na sua
Mas é que até a minha solidão 'tava na dela

Atirei uma pedra na sua janela
E logo correndo me arrependi
Foi o medo de te acertar
Mas era p'ra te acertar
E disso eu quase me esqueci

Atirei outra pedra na sua janela
Uma que não fez o menor ruído
Não quebrou, não rachou, não deu em nada
E eu pensei: talvez você tenha me esquecido

Eu só não consegui foi te acertar o coração
Porque eu já era o alvo
De tanto que eu tinha sofrido
Aí nem precisava mais de pedra
Minha raiva quase trespassa
A espessura do seu vidro

É mágoa
O que eu choro é água com sal
Se der um vento é maremoto
Se eu for embora não sou mais eu
Água de torneira não volta
E eu vou embora
Adeus



Mágoa, de Ana Carolina

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Oh little Vincent


I would like to be Vincent Malloy
With a grim face and a zombie dog
Would like to be dreaming
Wandering in the fog
Nobody around me
I like to be alone
Nobody disturbs me
I could change them in stone

If only I were Vincent Malloy
With Vincent price deep voice
Walking among the grave
And quoting Allan Poe
Thinking it's my last eve
Nobody seems to know
But why should I worry?
For life is just nothing
And I want more of death
It is the real deal

I wish I were Vincent Malloy
With zombie dog and living doll
Nobody's beside me
My love have been buried
I'm searching for her under the mournful grind
I'm searching for fear inside my so dark dreams
I'll never get back from this freaky travel
When nightmares are too dark
There is no more marvel

I would like to be Vincent Malloy
For he had a wax museum
Playing with death
Instead of toy
With his own truth
And his own laws
He was an amazing person

I would have liked to meet Vincent Malloy
Telling him not to trick with ghouls
It is a game for mindless fools
And warning him against morbid
For it can only lead to scream
Telling him
As his mother said
Go outside and play
It's a beautiful day

I would have liked to be Vincent Malloy
Would have liked too feel like this crazy boy
Living in his own universe
Talking only in verse
But his soul is now a jail
And his dreams are like chains
Vincent died instead of playing
And he cried instead of laughing
It's sunny outside
And a beautiful day
If you want to be dark
There is a price to pay


By pleur-de-lys