domingo, 28 de fevereiro de 2010

A condição e h ...

É a feminilidade que procuras durante o teu sono profundo e negligente, num à vontade entre lençóis, rude e carnal. As curvas que desejas sentir, alisam o teu génio, para que cerres os olhos em paz. Paz essa, que teima em esconder-se atrás do animal selvagem.
Das esquinas da tua enorme cabeça, suplicas versos caprichosos, e declama-os aos céus. Fazes-te simultaneamente só e dependente. E as tuas criadas sem avental branco e olhos delineados a lápis e artifícios, despem-se de jóias delicadas, para que lhes ofereças somente uma, a tua, que lhes colocas sob o engano consciente que és, sobre a sua pele perfumada. Amas a verdade com que lhes mentes. Odeias-te.
Vales de ti, homem de missão, homem de comando, homem dramático, intimista, filósofo... Sujo de altivez nua, limpo de maternidade.
Subjugas o labirinto geométrico ao ávido instinto.
Usas-lhes o que de mais belo precisas. Salvas-te do monstro. E suicidas-te quando e se finalmente tropeças na única mulher fatal, capaz. Divino tormento quem te abraça!
Em adverso, se sabes evitar tal pena de morte, tocas ao de leve sobre a ondulação que te sustenta, e vives para sempre por entre a sombra dos vossos lençóis, profundamente adormecido no teu sono negligente.
Diz-me, como se reivindica agora o que te empresto?
Estou de passagem, e prefiro a corrente gelada do caminho. Estou de passagem, e o espaço ardiloso entre fraqueza e egoísmo, seduzem-me com promessas de calor.
Não lamentes. O meu lamento não ergue a insígnia do engano como o teu; homem do berço dourado, que balouças a cima do colo de quem te quer.
Desprezo-te a carne, mas certamente que te sorrio aos lisonjeios.
Estou de passagem... E é nesta despedida que me ofereço brevemente de tua guarida. Cerras os olhos. Encerro a porta devagar... De novo, por fim.

Imagem retirada da net (alterada)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Obrigada pelo teu sorriso


Há um pouco de nós que pesa sempre sobre o silêncio.
A ansiedade de uma alma vazia, que em desespero evita o travesseiro feito de terra.

Quando já há muito é certo que tudo se fará feito, e sem saber mais do longínquo brilho das estrelas, escondo-me na húmida e mal cheirosa cave, milhas a baixo do chão. Tranco-me e estrangulo o crânio contra o eixo, com ambas as mãos impelindo as minhas orelhas para o vácuo do meu cérebro. Bruto impedimento auditivo, pelo o último dos silêncios, o da misericórdia.
Usura, o combate de tais forças. Traição por excelência, o instinto desesperado inigualável ao dos tambores e caixas negras obstinadas, que deixei para lá, à superfície, onde abandonei a última luz exterior a mim.
A cólera líquida enregelou-me as feições e impediu-me da humanidade de chorar.

Há um pouco de nós que pesa sempre sobre o silêncio.
E o meu, é o hino ensurdecedor que te presencia de mim. Mudo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Depois

Sinto falta de tempo a brotar-me dos pulsos vazios. Sinto falta de tempo a rebentar-me o ventre em vísceras em forma de faíscas coloridas de fogo-de-artifício. Sinto falta de tempo a impedir-me de encher o peito de ar. Uma espécie de tuberculose adormecida dentro de um corpo saudável. Sinto falta de tempo para correr e ultrapassar a sede do deserto, enquanto tusso sangue que apodrece em solo árido.
Prefiro secar aqui. Ver a alma a mais, para além de mim. Ver-me a mais. Não de cima, mas ao meu lado. Findar a longa caminhada contra as tempestades de areia que me congestionam os olhos.
Mas nem para expirar tenho tempo. E se olhei sempre sem pestanejar, ninguém o pôde aquilatar. O relógio pesou-lhes nos pulsos robustos.
E eles continuam a dizer que o tempo passou, e eu que podia justificar o sufoco a murmurar-lhes que em mim nada mudou, limito-me a sentir o tempo apressado impedir-me de lhes assegurar, que só se diz mudado quem alguma vez existiu.
E se através de tal certeza, quem quer que seja que tenha tempo para o garantir, espero ansiosamente que, quando eu cair, me deixe sobre o colo um papelinho com a devida explicação, de como não se perdeu no deserto de olhos fechados.


Imagem em Deviantart

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Quantos queres?!

Naquela tarde solarenta brindaste-me com a tua presença descomprometida. Eu nem te conhecia. E indiferente seria com ou sem ti, sobre terra de barro húmida, junto ao riacho do vale. Sentaste-te a quatro palmos de mim, e procuraste sem pressa assunto.
Ignorando a globalidade de perguntas introdutórias que raramente esperam resposta, teceste um breve comentário sobre um pequeno insecto que boiava na margem, riste-te para amornares o que não sabias, e eu olhei para ti.
Interrompeste-te. Perguntei-te se também era a tua máxima o caminho para a felicidade. Olhaste-me um pouco intrigado, e passados alguns segundos respondeste-me com outra questão:
Quantos queres?
Desta vez olhei-te eu intrigada, sem perceber.
Quantos queres?
Repetiste, tirando do bolso das calças um pequeno origami de papel, com o que me pareceram ser quatro pirâmides, sem base e ocas, articuladas entre si. Encaixaste o indicador e o polegar de cada uma das mãos nas respectivas concavidades do joguinho infantil, e começaste uma pequena dança ritmada e lógica com os dedos.
Ainda intrigada, soltei uma curta gargalhada a olhar para tal recreio, e sem pensar soltei para o ar: Sete!
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete! - Brincaste - Agora de aqui de dentro, escolhe um destes quatro triângulos!
Mas... - Comecei.
Vá, um destes! - Apressaste entusiasmado.
Hum...Este aqui... - Apontei ao acaso.
Cuidadosamente e com destreza, como se ali escondesses a maior profecia de todos os contos de fadas, desdobraste o pequeno triângulo de papel. Estava em branco.
Olhei desta vez para ti com um sorriso misto, de carinho e menosprezo.
Tens um marcador? - Insististe.
Abanei negativamente com a cabeça, e olhei de novo a mansidão do riacho.
Tens sim. - Voltaste a insistir com um tom de certeza na voz.
Impaciente, respondi-te com um baixo e seco não.
Muito bem! - Continuaste inflexível - Desenha e escreve em cada um destes cantos.
Voltei a olhar-te arregalando os olhos, e quando abri a boca preparada para o pequeno ultimato, interrompeste-me:
Guarda-lo sempre contigo, e nunca correste o risco de o perder.
Fitei-te de sobreolho franzido, e tu prosseguiste:
Se quero ser feliz? Não sei.
Passaste-me para as mãos o pequeno brinquedo de papel.
Pergunto-te, eu quero ser feliz? - Dirigiste-me.
Estagnei alguns segundos com o origami desajeitadamente entre mãos, e por fim respondi-te com nova questão:
Quantos queres?

Evitando a globalidade de votos, que poucas vezes rematam o que é verdadeiro, quando a noite engoliu a tarde, já eu me despedira de ti.
Ao voltar para casa, dirigi uma das mãos distraídas ao bolso direito do casaco. E lá encontrei um pequeno joguinho de papel. Papel de apostas, tinta, dança infantil de dedos, o pequeno recreio de bolso. Agora o meu pequeno recreio de bolso.

E esperei sem pressa por uma nova tarde solarenta.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Julgamento


Sonhei que morria.

E eu levo tais premonições muito a sério, garanto-vos.
Vós que assumis agnosticismo por entre viagens ao núcleo do mecanismo. E garantis de sobrolho franzido e cigarro no canto da boca, cada impressão como concreta.
Vós que julgais cada piada fácil, e nota mal afinada, como incompreensão minha..., garanto-vos; Eu curvo-me perante o altar!
Aquele de talha dourada, mogno moído, banhado de velas derretidas colocadas ao acaso da fé.
Vós, que sem hesitar ironizais a minha escolha, e ridicularizais a minha indecisão, olho-vos nos olhos, e profiro rezas imorais e incertas de afirmações veladas.
Vós, que com tenacidade defendeis sem cortesia uma causa maior, uma filosofia maior, única e ousada.., inspireis profundamente de impaciência antes de me tentardes convencer!
Única é a morte. E a vida. E o encontro entre ambas!
Ousadia é então afirmar único o que quer que seja!
Não julgueis meu campo pequeno..., porque nasci a meio. Atravessada. Por acaso.
De pé direito no amplo campo que teceis com linhas bem estruturadas, e o esquerdo assente no confessionário.
Temo todos os dias o buraco negro por entre as minhas pernas. É impossível violar-me a falta de razão, de cultura, de ambição.
Esmiuçais cada partícula de verdade, porque reconheceis o vazio apenas na incompreensão alheia perante vós, motores intelectuais.
Vós não tendes céu. Nem tornais vulnerável a solidão. Nem sentis genuíno o medo.
Ide!
Que eu tal como vós, parto sem um único deus.
Ide com o destino traçado no mapa. Que eu finjo ir sem nenhum fim.
Mas sabeis..., sonhei que morria!
E eu levo tais premonições muito a sério, garanto-vos..., com a leve mas compreendida vénia que vos devo!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Recorte Ocasional

Caro Mr. Drake
Lamento profundamente que a nossa primeira correspondência pessoal esteja carregada de tal premência, mas creio que está perfeitamente a par das circunstâncias que comprometeram a sua visita a Mae Lwin. A minha impaciência só deve ter paralelo na sua. No ataque ao nosso acantonamento, um projéctil de mosquete partiu as cordas pertencentes à tecla de lá da quarta oitava. Como sabe, é impossível tocar qualquer obra musical séria sem esta nota, uma tragédia que as pessoas do Ministério da Guerra são incapazes de compreender. Por favor, parta imediatamente para Mae Lwin.
(...)

A.J.C.

em O Afinador de Pianos
de Daniel Mason

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ressaca


Fiquei ali quieta, a percorrer visualmente as infinitas listas afixadas, naquele longo corredor de paredes adornadas com azulejo português. Para cá das janelas de beiras de alumínio viradas para as ruínas do edifício, fiquei a ouvir o meu próprio eco.
Apagaram as luzes, pegaram nos pertences pessoais, e após as oito horas, bateram a porta e rodaram a chave.
O meu eco cessou e deu lugar às vozes secas da velha repartição.
Permaneci inerte, inabalável.
De que me valia ter-lhes berrado a minha presença? De que me servia saber qual a porta de saída?

Poderia com ar fatigado fingir-me social. Vestir o sobretudo e acompanhar à saída o velho segurança, último a despedir-se de mais um dia de trabalho;
Boa noite Senhor Sousa! Está na hora de ir para casa fazer o jantar e descansar...Amanhã é um novo dia!
Ele, gentilmente, concordaria num largo trejeito com o bigode, e despedir-se-ia com um brilho nos olhos, escondidos por entre as rugas de um rosto cansado.
Mas eu sempre fora indiferente aos olhos da fadiga da repartição. Eu nunca partilhei a saída, e hoje não iria voltar a fingir que ia para casa.
Voltando a ouvir o eco dos meus passos no escuro, à luz de isqueiro, delineei com o olhar o espaço, e segui com o indicador pauta por pauta...à procura de um só nome.
Quando o relógio bateu as doze badaladas da meia noite, já eu entre quatro paredes, decidira partilhar a minha solidão comigo, e esquecer-me de que lá fora o mundo, a par do Inverno, mentia de chinelos de quarto nos pés.
Enquanto todos dormiam , tornei a verdade silêncio.
E antes do canto do despertar do primeiro pássaro, ainda fui a tempo de te segredar ao ouvido o meu Boa Noite..., que com sono, julgaste ser de quem se deita todas as noites ao teu lado.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A e Z

A figuração do tempo desfez-se hoje à minha frente.
Subindo aquela sinuosa colina apercebi-me de que ambos os ciclos, do ser humano e do tempo, podem ser catastroficamente separáveis. Ilogicamente desencontrados. Acidentalmente descompassados.
E como eu gosto de cataclismos!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Aos Papeis


Entreguei as folhas de papel a cada um. Todas elas em branco. E foi tão bom ver as pinturas que cada qual fez em cada página
branca que lhes ofereci... assim, presente, assim...uma só em modo singular, suporte plano para as amostras das pequenas dimensões paralelas de todos eles. Deles.
Alguns, para além do mais, ainda me deixaram uma pequena mensagem em rodapé, que nunca li. Outros, deixaram apenas um descuidado risco a lápis, mais pérfido do que eles alguma vez poderiam supor.
Ligo o ferrugento candeeiro de mesa, e foco-o naquela torre de papeis usados, queimados e imaculadamente chorados...E mais uma vez..., mais uma vez..., não passa de mais um monte de lixo sem calor sobre a larga mesa de madeira. Uma muralha de prenoções que me cega ao mesmo tempo que me faz princesa.
Falta-me a folha branca. A virgem. Virgem de vocês, que não toquei. Essa. Essa mesma... que se esqueceram de me entregar a mim.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

S ou S

Podia sentir-me morrer de tesão, e numa volta de montanha russa, explodir arrebatada em suor e espasmos libertadores de mim mesma, sobre um corpo a ferver, rendido ao comprido contra o chão...
Podia ser muito mais que esta noite, e estender o braço ao benefício da dúvida. Balançar num jogo de ancas, os contornos do meu corpo em contra-luz. Procurar o olhar que me procurou a noite inteira. Silenciar-me nos lençóis por entre as suas pernas carregadas de desejo, e coches terreais sem endereço. Tremer. Apertar a carne num pulsar sexual capaz de irrigar a cidade inteira e parar o trânsito de todas as estradas, e ruas, e travessas, e becos sem saída... Desaguar nas suas mãos.
Podia e por isso ergo o olhar, de maxilar elegantemente levantado. E vou, em cortejo tão descomprometido quanto infame. Pisco serenamente três vezes os olhos, e faço da calçada tapeçaria vermelha.
Ignorando a contagem certa, invado o espaço de mim sem que este mesmo se aperceba. De tal forma torno-o o meu segredo, que como D. Sebastião desapareço-lhe por entre o nevoeiro. E o mito não passa pelo regresso.
Assim, descruzo pretensiosa as pernas, e volto a cruza-las com maior pretensão, para o lado oposto.
Quanta lascívia me compromete...
Eis que tudo volta a ser verde-cinza, e os carros voltam a cumprir os limites de velocidade. Eis que se ouve de novo o tilintar dos copos de vidro, e algures..., sei que perdi de novo o olhar de alguém.
Podia sentir-me morrer. Sentir-me morrer de impotência.

Imagem em Deviantart

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Apontamento lateral

Ter-te ao meu lado, incorpóreo..., enche-me todos os dias de cadeias de paralelismos superiores a nós mesmos enquanto seres comuns, com um dia-a-dia banal, tão diferente.
És importante, és acaso, és obrigação acidental, és ilusão viciada, preconceito, química...
És tudo isto e não és nada.
Não sei o que aconteceu, o que fez acontecer. Nem sei exactamente o que faz não acontecer.
Já não me importa. Já não me importa verdadeiramente.
Porém, verdadeiramente digo, que todos os dias vivo a ilusão segura de estar sozinha convictamente, de estar sozinha contigo, um tu demasiado pessoal. Por entre as folhas do meu diário gráfico de bolso..., por entre os compassos das músicas que ouço..., por entre as persuasões... Estás na breve falta de fôlego, quando atiro água fria para o rosto, pela manhã.
Já não me importa verdadeiramente.
...E eu que verdadeiramente queria conhecer o significado de verdadeiramente.
(...)

Imagem em Deviantart