domingo, 30 de janeiro de 2011

(4 e um quarto de faces)

Ser autêntico sem revelar o pior que há em cada coisa. Sem revelar a fuligem de dentro da chaminé da lareira, pintada de fresco e decorada de quadros e outras bugigangas.
Ser assim, sem ser demais nem de menos em cada coisa.

Ele tinha o gesto largo, os olhos doces, as pestanas compridas, o charme da poesia, e a firmeza do desgosto.
Ele tinha melancolia descuidada no passo. Delicadeza no propósito incauto. Alegria no sorriso largo.
Mas como poderia ele ter tudo isso, se passadas todas as casas do jogo da glória, seria a final a da mentira?
Ambos competiam por tal.
Como poderia ele ser astuto, e corar ao cruzar-se com ela..., ela duro algodão?

Se de tanto ver, não encontra o porquê tão pouco mérito.
Então..., deixou de achar valer a pena lançar o dado. E deixou o peão dela sozinho no meio do tabuleiro, depois de recuadas tantas casas sem batota.
Esfarrapou-a em pedaços disformes e exíguos, que se espalharam pelo escuro do quarto. Um armazém vazio apenas com o bafo da transpiração do desconforto e da mágoa solitários.

Estes perderam-se com o restante pó, e fez-se lixo habitante da casa. Como outros aroma e lençol quaisquer.

Maldição.

Quer a casa quer mais uma sensação, afogadas no mesmo rio sem corrente e de canal certo e triste.

Haveria a manhã em que ela acordaria, olharia o castanho da madeira do soalho, e este parecer-lhe-ia imaculadamente limpo.

Afinal, para além dos pés dela, ali não passara mais ninguém.


Ser autêntico..., apenas o sonho.
Como que o limiar do pensamento, ao qual nem Freud deu nome.

E de novo a aurora rompeu silenciosamente a frecha da porta.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Diz que,

Era uma vez uma ilha paradisíaca. E porcos. Era uma vez porcos.
E era uma vez porcos que habitavam essa ilha. Essa ilha paradisíaca.
Que ficava algures em Bahamas.
E eram eles e a ilha. E a ilha com eles.
Era uma vez uma qualquer contradição do ponto de vista humano, real.

Porque ele arrelia-me. O ponto de vista humano, digo.
Aqui, ou do outro lado do mundo.
(Do pequeno mundinho que conheço sem conhecer. - Eis a minha condição.)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Crónica (d)a Insensatez

Um corpo.
Branco, em decomposição.
Um cadáver à mercê da liberdade das gaivotas e dos abutres.
Que ainda vê da morte como um limbo de onde não mais conseguiu fugir.
Fugia de tudo.
Das balas, das gentes, das casas, dos parapeitos das janelas, da chuva e do vento, das horas, da carta ao fado, dos correios, dos bancos das estações de comboios.
Tinha tanto medo de ser feliz, que tal já não lhe soprava ao de leve o cabelo e os ombros delicados e descaídos.
Ele só a lera. Lera provavelmente num obituário de um jornal qualquer que ninguém compra, do interior.
Foi lá que a leu, mal aprendeu a ler.
E foi assim. Foi assim que passou a acreditar em tudo o que ninguém compra. Em tudo o que ninguém ouve. Em tudo o que vai na água da valeta a escorrer ao fim de todos os dias. Quando já todos dormem. Quando já todos metamorfoseiam a corrente das coisas simples. Os chamamentos sãos. Para o resto dos seus dias.
Que serão demasiados para tal rendimento.
Foi assim que mentiu à solidão.
E quando as trevas lhe apertaram o pescoço sem qualquer humanidade presente, aprendeu a fugir, e encontrou por fim a claridade que cegava tanta gente. Finalmente sentiu os olhos a cerrarem-se, a visão turva, a claridade a iluminar-lhe os poros.
Seria ali?
E o sim, veio juntamente com a luz.
Sim, estou vivo.
Sim, vejo.
Sim, quero.
Sim, leio.
Sim, tenho.
Tenho pena.
Ao levantar-se da areia, ergueu o braço direito como quem ergue uma bandeira pirata, e cravou um punhal feito de nada no coração.

Um corpo.
Que ainda viu da morte como um limbo que encontrou, como que para sempre.
Sim, estou morto.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Nevoeiro

Que se cessem então os passos dela. Por entre o nevoeiro, de nada lhe vale ir no centro da estrada a tentar sem qualquer tentativa, seguir a vida. Ou essa coisa de estar vivo a que toda a gente se subjuga, com razão incontestável por quem quer que seja. Pois que somos todos vivos, internos. Uns mais, outros menos. Uns mais perto, outros mais longe.
Que importa...
E que importa a arte de bem escrever e de saber desenhar as palavras, se o que ela quer dizer de mais sincero, seriam os outros que lho poderiam dizer, para se fazer ouvir?
Mas nunca são. Nem a música na rádio. Nem a carta que recebeu no fim do Verão. Nem tão pouco a espera do outro dia; Muito menos essa! Nem nada.
Que importa que se importe pelo facto de não se importar? E de trazer dos outros consigo, cada um como um só, se a troca não foi merecida por ninguém?
Que é que interessa ver o que se quer perder ou o que não se pode ganhar?
De que vale a sua razão, se vê só de olhar, que de razoável as pessoas têm tão pouco?
Ser-se razoável, não é ser-se correcto sob o ponto de vista geral e educado da bondade. ( Como se educação e generalidade pudessem seguir o mesmo caminho...! ) É ser-se íntegro pela parte, consciente do todo.
Morra a bondade sem intenção genuína!
De que lhe adianta estar a cima, e não ser maior que ninguém? E ainda assim cair de mais alto (?) De que lhe adianta nem querer tal ausência de chão que adormece o momento da queda?
De tanto e tão pouco...
Poder e não ter..., ter e não poder?
E para que serve tanto ponto de interrogação, se a base de tais interrogações é o tão concludente e redondo ponto final?
Ela sabia... E para que sabia ela?
Se poder ser-se livre, significa no meio do peito um amontoado de silvas, relva e casebres selvagens... sem ecos de vozes presentes, para que servem então as paredes?
Que se lixem todos os idiotas que procuram sentir-se bem a ler coisas bonitas. Que se lixem então todos os estetas que procuram as soluções brilhantemente metódicas.
Brilhante é o Sol. E o de Inverno não brilha nem aquece.
Sintam então a pálida atmosfera de quem não sabe mais o que fazer com o esgoto humano.
O autoclismo nem de ilusão se trata...
Para quê saneamento, se o nariz é a feição mais intrometida, quer por jeito, quer por cobardia?
Portanto, cheirem!
Cheirem directamente do rabo de quem invejam! De quem não querem fugir! De quem querem as calças! Mas, cheirem!

A pedido. Dela.
Cheirem, e deixem-se de coisas bonitas para aquecer a alma...
Ela, é só ela. Com o que teve e não teve.
E que se foda tal diferenciação.
E que se foda... Sim.
Que se foda.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Don't watch me dancing



Margarida has a strange appeal
sways between suthers on a broke heel
Of course her desires always messed up
She rather be scarred than scarred with love

In conversation she often content
Customs builds customs that have all dead-ends
She found her courage in a change of scene
The sunday social would be short it's queen
All her best years spent distracted
By this tired re-enaccments
With the right stuff
she would try her chances
Somewhere else

There he is a step outside of view
Presiding the words he hope she might persuit
Night upon night of faithful lie shore*
He only convinces legs across the floor

Please don't watch me dancing
oh no don't watch me dancing

Something changes when she glances
I'll have to teach you what romance is
With the right stuff
they tried their chances
Somewhere else

Please don't watch me dancing
don't watch me dancing
Please don't watch me dancing
don't watch me dancing
...

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Máscara do tempo

Desfigurando a máscara,
Como quem perde tempo a fazer desenhos na água
Eu procuro nesse mesmo tempo perdido, ganhar a condição que marcara
A mais cara que em mim insinua
Trepa essa árvore!, dizem segundos -
Os crentes trabalhadores;
Uns procurando limpar a sua saúde de fungos
Outros livrando a sua doença de maus odores
Ser doente mal cheiroso, não é coisa que se queira, quando também se quer bem;
Se se é bom e se quer mais...,
Ao mesmo tempo que se é humilde e se quer coisas
Coisas que ocupem o vazio, para que fiquem
Só para que se possam dizer precisas
Posses banais
Dependerá, então, do espaço
E sabe-lo indeterminado, mascarando-me assim do que posso e não posso
E espero...
Até envelhecer e não pedir mais nada
Ironia essa, vencida
Sem mais mentira
Tem lugar o desespero?
Quem espera sempre alcança...
Se para sempre fosse criança

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus
braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.







Carlos Drummond de Andrade, em O corpo