domingo, 5 de dezembro de 2010

E assim se faz o dia.

Há um pequeno desacerto que vive o medieval da minha alma. Qualquer coisa como uma vida passada que nunca existiu, mas que ainda assim foi condenada pela Inquisição, na fogueira.
Não me importava de ter vendido galinhas e bugigangas num mercado de rua, nómada. Não me importava de ter roubado pão e ouro das bancas de alguém, vestida de trapos imundos. Não me importava até de ter sido senhora realeza do castelo escuro e gelado. Ou quiçá fiel servo.

Fiel?
Seria um total desajuste até à forca da praça. Até à condenação. E que vocês me valham, porque nada de mais louvado me conseguiriam dar.

Não que ansiasse a morte torturante a vos vergar a coluna vertebral. Não que julgasse justo me cortarem néscios de verdade, a garganta esculpida de veias e artérias a latejar de vida.

Não.
Mas de vocês, nada mais teria. E a dado certo, só a carta errada.
A minha. A batota fidelíssima.
O negrume e porcaria medievais não são mais que a vossa gentileza comercial de sorriso de esmalte.

Tragam-me os dentes podres! A lacuna das pernas torcidas. Desfigurações mentais e físicas. Expressões horripilantes e desalentadas.Tragam-me a mais verdadeira feiura. A mais imperfeita realidade. A mais sebenta paisagem.
Porque assim todos verão. Todos saberão.
E mal o tempo passe..., mal o tempo crie raízes no mais completo cérebro... Esta será a casa de todos.

E ainda que não haja bancos, cadeiras e poltronas suficientes para todos os que no seu interior se apertam, estes sorrirão contentes aquando o soar da musiqueta do jogo das cadeiras.

E ainda a correrem desvairados em círculos, saberão por fim sentar-se à chuva e ao frio.

Casa são paredes. Não tecto.
E se ao céu erguesse as mãos, seria brindada com um pequeno e mais miraculoso pedaço de merda, de um qualquer pombo, um ainda afortunado voador que usufrua do limbo entre a liberdade terrestre e o caçador.


E assim se faz a noite.

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