domingo, 29 de julho de 2012

Desta; P de Purpurinas

Olhei para a sua perna, e vi brilhos. Daqueles que se compram colados nos enfeites das lojas de decoração e pechisbeques criativos. A sua perna esquerda dobrada, sobre o lençol nos tons da meia luz do quarto, à alusão dos meus olhos entediados por ali vê-la sempre fechada em si num silêncio nebuloso, tinha brilhos sobre a pele. Cristais de plástico metalizado. 
Contei-lhe.
Todos os dias, a via nua de frente ao espelho, a medir as proporções apenas dos seus pés que, dizia ela, se deformavam à medida que o tempo e a vida lhe faziam o íntimo mais feio e imbecil.
E eu, nunca lhe diria que os seus pés eram perfeitos e os mais belos que alguma vez vira. Jamais a obrigaria à minha intenção tão tensa e obtusa de a amar. Ainda que fosse verdade.
Contava-lhe as ilusões do corpo, como histórias para adormecer. E antes de adormecer, sorriamos sem nos lembrarmos de nada. Soltos dos braços um do outro, e de pés cruzados no desajeito da mútua presença tão sublime, ao fundo da cama.
Nunca fomos dos que precisavam de acreditar.



sábado, 21 de julho de 2012

Controração da virtude

E no regresso, da algibeira sacou um pão seco, num gesto redondo e teatral. Devia a esse naco de água e farinha, que morreu ao fim do dia, uma pleonástica intenção de afecto.
Mascou-o com desenvoltura, e um sorriso de boca aberta, enquanto olhava o fundo da passagem de pedra encardida em muros altos.
Ele, ele era filho de Deus. Desse, que o desconhecia à distância da humanidade.
Sabe-se lá.
Pelo centro e ao fundo da passagem escura, o sol já os deixava, desta vez, com a pressa suficiente de uma partida lídima depois de tanto tempo incerto. Talvez fosse ter com O das alturas. O de lá. Deus.
Pois que era provável que Este nem o esperasse, visto não o precisar, a cima.
O Ele, seria Ele de quem? Deus do quê? Se é Deus, é de. E ser de, poderia significar pertencer.
Deus pertence. E ao que pertence, comanda.
É da natureza do universo fazer-se precisar no espaço dessa mesma exacta vontade do seu semelhante.
Mas porque calhou ao universo, ser o maior e mais amplo. O das alturas.
O Deus que alguém escreveu que capitaneou a pregação do querer-bem. Porque do topo da cadeia, tudo o resto se come. Seja o que for.
Porém que venha! Pois a fome é a morte mais conhecida de tudo o que finda à plenitude.
Não há nada que se negue à vontade de se vingar na procura do sustento. Tudo é, porque mais o mantém.
E de amor... Amor. Só da sua algibeira velha, ao enlutar do dia, se podia sentir, duro e morto, o pão que lhe prolongou o caminho negro, a baixo das paredes sujas.
Para onde o maior ia, a pouco lhe sabia para matar a fome. O Pai.
- Oh Pai..., oh que te mantenho e que te sou ingrato, porque me guias na cegueira desse trono!
E neste fim, grato pelo naco, então, sagrado, eu desenho uma larga vénia às migalhas caídas na ladeira.
E Tu estremeces do paraíso aquando me ergo de novo a caminho, sem saberes o que Te perturba.-

E ambos não tardaram a adormecer, sobre-tudo.
Ou Ámen.


sexta-feira, 6 de julho de 2012