terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Dear...


Não te quero. Quero-te bem da maneira errada.
O que chega a ser praticamente o oposto.
Ao contrário do que seria saudável, o que faço muitas vezes não é directamente proporcional com o que desejo, não.
Esboroo sentimentos, fluídos, olhares, toques, desejos animalescos e carnais. Cérebros e educações, princípios e corações, limites e convicções. Estórias, paixões, motivações, razões, falta delas... Torno tudo ridiculamente possível com base num jogo mental sem sentido nenhum.
É efémero.
É assento substituto. Já quente. Frio de mim.
É canto escuro.
É quilómetro percorrido.
E depois fico assim.
Sem argumentos, sem razão, pequena.
E mais que isso, não preciso deles para saber o que não te posso provar. Nem quero.
Exijo-te reacção e depois fazes-me desaparecer.
Engulo-te as palavras e depois desapareço.
O meu brilho é brilho de Lua.
É o brilho dos outros e de ninguém. Não julgues que é meu.
As mãos que te sufocam descontextualizadas tal como vieram, partirão vazias.
Vendo as cochas, os cabelos ao desenho ténue dos dedos que leio, dos quais tenho medo.
Mas o meu medo não tem preço.
Não tentes saber, não tentes emoldurar as minhas atitudes baixas, e reles, e pequenas.
Tu, não sabes nada.
Eu nada sei. E do nada sei eu.
Trago os restos dos acasos comigo.
Sou os bancos escondidos do comboio. Sou desfile nos corredores.
Sou vagabunda, e como quem pede pelas ruas da cidade, sei que o segredo é viver sozinho para sempre. E isso não se partilha.
Não te quero. Quero-te bem da maneira errada.
O que chega a ser praticamente o mesmo.
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Foto retirada da net

domingo, 27 de dezembro de 2009

É só um rato.

Tenho um rato de baixo da minha secretária.
Tenho de o tirar daqui. Mas afinal, quem o mandou entrar? Alguém o convidou?
Tenho um pequeno rato de baixo da minha secretária.
Entre os meus desenhos e papeladas, livros, cadernos, frascos, fios e cabos de ligação.
Tenho um ratinho do campo escondido de baixo da secretária.
Se ainda não fugiu sem eu dar por isso, ainda aqui esta em silêncio, atento, entre a sorte e a prancha fatal do destino.
Que posso eu fazer? Pegar-lhe com a mão?
Não quero, nem conseguiria.
Abrir-lhe a porta à espera que se decida a sair e voltar para sua casa?
Não me parece que o vá fazer tão depressa. Esta com medo. Tem um compartimento enorme, cheio de esconderijos.
Assusta-lo e apanha-lo?
Com o quê?
Tenho mais soluções?
Não. E ele também não.
Já acordamos em silêncio que a morte não pertence à roda das hipóteses.
Eu evito-o e ele evita-me.
Não posso permitir que ele aqui continue. E ele não tem como sair, nem sei se sequer o considera.
Um rato selvagem não é por si um animal muito convidativo. E ele bane fugidio, a crueldade da minha companhia.
E agora estamos ambos aqui, num aqui e ali de cumplicidade na distância.
Tenho um roedor dos campos de baixo da minha secretária.
E também uma pedra no sapato, que não tiro, para não predispor o meu pé...
E enquanto estaco sem atitude, imbuída de indecisão, sinto-lhe o medo por entre o amontoado de coisas esquecidas, no fundo, na sombra, bem a baixo do tampo da minha secretária.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

E não é que se perdeu o brilho?!


E aí está!

Aí estão as crises de carência e nervosismo! Os choradinhos fatela, e as limpezas na casa. Os ouvidos moucos. Aí estão a música que sim senhor, o bacalhau que pois claro, os banhos que ah e tal, os chocolates e afins que oh Lord!
Aí estão as conversas de conveniência, e de inconveniência. A tia chata que promete enxoval à força. A prima que vem do outro lado da Europa e que já leu o livro que lhe ofereceram. O primo que diz que ganhou três prémios, e que vive de electrónica. O tio casmurro que não quer comer e que embirra com esta coisa do Natal. A avó e os vinte e quatro comprimidos e as mil doenças. Os sorrisos amarelos e os brindes quentes.
'Tas mais magra! 'Tas mais alta!...
Aí estão as camisolas de flanela para quem veste cabedal. E os chinelos cor-de-rosa para os amantes do cinzento. Aí estão os bombons e as meias. Aí está a tia insatisfeita vitimizando as desgraças do seu eterno azar. Aí está de novo a avó a perguntar de cinco em cinco minutos pela meia-noite, já espetando a bengala em direcção à porta e vestindo com dificuldade o casaco.
Aí está um bom Porto, e uma boa ginjinha, cá entre nós...
Aí está... E mesmo assim, já cá não está.
...Oh Lord, don't You buy me...?!
E aí está quase tudo. Quase... Só que desta vez faltou mesmo o quase...

E aí está quase tudo de novo, e ainda bem!

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

E mais coisas que não são minhas.


Apercebi-me de que nenhum de nós é especial. Nem tão pouco passou por experiências espectacularmente únicas, e indecifráveis, e incomunicáveis. Que nenhum de nós tem o poder de com agradável ironia julgar ingénuo o que o outro disse. Que nenhum de nós é capaz de um silêncio de sabedoria sobre as palavras do outro. Que nenhum de nós, é nós ou nenhum.

Ontem acordei suja. Senti-te nojento, juro. E és. Somos. E também não vou jurar..., é tão real em mim que não merece tal reforço. Senti-me bem menos que simplesmente banal..., senti-me vulgarmente banal. A primeira é maravilhosa. A segunda um tiro no meio da testa.
Não posso tolerar esta minha cobardia na falta de luta. Na falta de enlace de armas. Largo sempre a espada antes do ataque, e sabes porquê? Porque nunca pertenci a uma guerra.
Contigo não seria diferente. És mais alguém. Não és mais um, porque nem podias ser. Eu não faço mapas nem planos, eu dobro as esquinas e encontro sem querer..., dou um empurrão sem querer..., espicaço sem querer..., julgo sem querer..., analiso sem querer..., vejo sem querer..., agarro e morro sem querer. Largo, deixo morrer, continuo, paro. Sem querer. Tudo sem querer.
Quero tanto não saber o que faço, que me traio a toda a hora mesmo sem ninguém o notar.
Acredita que não interessa de onde vim... , porque se to pudesse um dia contar, não teria espaço para ver mais ninguém..., sem querer.
Acredita que não importa nada do que sou feita. Até a alma às vezes é remontada com legos, vê bem..., um dia vias um dragão, noutro dia um pequeno pássaro. Num dia verias árvores, noutro uma casa.
Nem tu quererias saber disto.
Se eu podia mudar o rumo das coisas? Podia. Mas todas estas peças de vazio relembram-me quem sou nos momentos em que brinco comigo.
É loucura, é desejo, é solidão, é prazer, é paixão, é sagacidade... Toma pelo que decidires.
Mas não me tomes como mais uma tola que sabe o que procura, e que faz malabarismos com a leviandade. Não sou.
Ainda estou em coma profundo na minha morgue. Lá respira-se ar gelado, mas cá fora esta quente. Na minha testa, os danos da bala que se alojou no meu crânio. Talvez queira e volte a acordar... Talvez fique para acreditar que afinal, ainda pode haver história comigo..., e em mim...
Talvez um dia, ainda..., sem querer.

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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

E depois, há malta assim...



Pamba!

Que é como quem diz: Em grande!!

Ver mais, aqui

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Escolher palavras é inútil.


É inútil. É negar que foi aqui que nasceram os meus vícios e que esta, é parte de mim. Que é aqui que vivo com tudo o que é a mais do que preciso. Que é aqui que me deito numa cama impersonalizada junto a uma parede pré-fabricada. É inútil negar-me. E dizer mal de tudo ao qual recorro todos os dias ignorando, distraída, a fonte.

Como esfomeada os ponteiros do relógio, os quais já não consigo ouvir. Perdeu-se o “tic-tac” das minhas metas. Perdi-o, provavelmente pelo caminho, atabalhoadamente, pois, confesso…, no meio de tantos arranha-céus e prumos já não sei de onde vim.

Tropeço constantemente em janelas virtuais e consigo pistas, e mapas, e, aqui e ali, até consigo franzir o sobrolho quase indignada com os acidentes que acontecem no resto do mundo.

É inútil dizer que não sou eu que ignoro as notícias. De quem foge e quem invade. De quem perde, e quem acaba. Tenho tudo quando estico a mão. Que mais posso eu simular querer?

Paz. Confesso que às vezes em segredo simulo paz. Ensinaram-me a simular, não será difícil. Não será difícil simular emancipação, interesse, humanidade até … E paz? Três letras de significado, ninguém dará pela sua falta…!! Paz…, ainda procuro paz.

O meu coração está aos pulos. Até quando a minha esperança será posta à prova? Até quando esperará no cais? Por quantas provas terá ela de passar?

Aqui, no meio de malas inúteis que enchem o ar de meias, cuecas, que voam entupidas de dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente para investir em coisas… Coisas, e grandes coisas e mais coisas e mais aquela coisa…! Esse dinheiro que viaja na bagagem da impunidade, e eu, não consigo mais!

Quantas vezes a minha confiança será posta à prova? Quantas justificações terei eu de reunir para poder ter uma ideologia?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o noviço, mas não é certo que a mentira comodista dos maus cidadãos venha esmurrar-nos o nariz.

Afundo o meu coração, e mergulho na luz regada ao conselho simples dos meus princípios. A minha essência a eles lhes deve agradecer. E eu esqueço-me.

E no meio de tanto esquecimento esbanjo palavras inúteis, numa diarreia verbal e fútil. Sou eu. Somos nós.

Se um dia eu souber, de facto, ouvir o silêncio, serei o meu próprio túmulo.

Se um dia eu aprender a viver do nascer do Sol, o meu sorriso não será mais parasita da luz dos fragmentos dos demais.

Se um dia, eu plantar a música em sementes no chão para além do cimento, serei dança e não sentirei mais as dores da sobrecarga.

Invejo-vos sem mesquinhez. Vocês, Oriente limpo de porcaria metálica do século XXI! Oriente, que olham a Natureza de frente e como igual e não como rival. Vocês que não sabem o que é viver de Se/s, e traçaram um caminho, o vosso;

De sabores, cheiros, sons, âmago, sumo e força viva!

Paz…, afinal existe paz.

Paz, é amar com integridade total. Amar a Natureza pura e crua, com a entrega sublime suficiente para que, para além da mesma, nada nem ninguém mais tenha o poder de nos matar.

Vocês são tudo isso, e na injustiça do sofrimento, envergonham-me.

Hoje, simulei descobrir o significado de paz. Porque sou demasiado cobarde para o cumprir.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Coisas.

Percebes, quando vou pela rua carregada de capas, e papeis, e trabalhos inacabados, e corridas contra o tempo, por entre a multidão, em passo apressado... Consegues perceber para onde vou?
Existem imensas coisas que tu nunca irás perceber. Não porque não lhes reconheças a utilidade, as portas, as margens..., talvez até melhor do que eu..., mas porque simplesmente não lhes sentes o cheiro e não lhes tocas com as tuas mãos.
Tenho parado demasiadas vezes o meu relógio preguiçoso na busca das horas que nunca existiram. E sabes o que encontro?
Saudades.
Não Saudade, esse significado único e português de realidades invisíveis que sufocam o peito de um só sopro..., mas saudades.
E afinal, não passa do mesmo..., em pacotinhos às cores, diferentes, que por vezes nos aparecem de surpresa por detrás de um qualquer pacote de arroz, numa das portas dos armários da cozinha.
E lá tenho eu de parar o ritmo alucinante para enxergar tal embrulhinho. Pegar-lhe e olhar para ele como se de um chocolate agridoce se tratasse. Revira-lo entre as minhas mãos cépticas. Olha-lo fixamente, perguntando-me a mim mesma se o devo abrir ou não e como.
Sob uma qualquer forma de entendimento o meu relógio pára para me olhar de lado... E é quando percebo que não tenho como o abrir.
Sou consumida por um misto de idealismo e razão, face à questão da existência de tais lembranças.
Tu como eu, sabes que é impossível. Não há nada para lembrar. Não há toque, não há o mesmo chão. E afinal, acaba por ser indiferente se tu concordas ou não. É impossível saber, não interessa saber.
Não sei o número de calçado que usas, não sei se guardas as meias enroladas numa das gavetas da cómoda..., não faço a menor ideia de como te barbeias. Não sei como és quando acordas, não sei como dormes..., como posso eu saber em que estas viciado agora? Para que quereria eu saber? Se a impaciência é verde ou negra. Se tremes o lábio inferior quando estas distraído contigo mesmo. Se é leite ou café nas horas de menos sabor... Se costumas ter as mãos quentes ou frias... Se é açúcar ou amargo...
Não sei. Não sei e como tal ignoro. E passo ao lado e nem reparo. E sou Sol, e senhora, e bailarina no espaço, e total, e manual de instrução, e diário aberto...
Fecho a porta do quarto por entre as imensas decisões que tomo nas horas erradas e também nas certas, e consigo ser cobertor e almofada sem resfriar.
Consigo.
E depois, há aqueles dias, em que as horas de sono, depois de mais uma panóplia de estórias, me fazem ser mais uma que abre o guarda-roupa, e que ao pegar na camisola mais quente, descobre um novo pacotinho colorido, esquecido nada ao acaso por entre camisolas, botas e calças...
São pedaços de ilusões. Mas quem disse que a ilusão não te conhece melhor que a realidade?

Hoje ignorei todas as embalagens das lojas de perfumes;
Os que sinto, não se vendem, não se perdem, não se acabam. Não cabem numa palavra, numa gaveta, numa hora, num frasco... Apenas existem algures no interior das portas dos meus armários.

Assim fico, e nada quero mudar;
A angústia do inútil.
A inércia da minha casa.
As saudades de um porvir que não será mais como foi.
Os passos que querem mais do que a vida, o incumprido que te adora.

E tu, não és mais do que os espaços entre as letras.

Foto em Deviantart

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Eram sete vezes e meia...


(...)
- Sim Sr. Frank. Tenho absoluta certeza de ter vendido um dia tal chocolate aqui no estabelecimento. Não eu, mas meu avô.
- Queira por favor relembrar-me o nome... Será impossível rever tal junção de iguarias...!! Sabe..., nunca soube da existência de tais sabor, textura, invólucro sedoso em mais lado algum. Inimitável, percebe? Eu...
- ...Sr. Frank, do tempo do meu avô... ficaram muitos segredos que nunca foram revelados.
Existem inúmeras gavetas vazias, armários de cartas antigas, marcas na madeira dos armários, instrumentos desaparecidos..., veja, até o sino da porta..., perdeu o badalo.
Acredite, muito o tempo levou. E, para além das receitas únicas com que esta casa brinda..., os restantes pedaços de história ficaram para sempre guardados em silêncio por esta humilde e familiar casa...
- Sei. Sabe..., a menina que sabe tudo sobre chocolate... Tudo sobre os segredos de cada ingrediente, qualidade... Você mudou a vida a muita gente, sabe disso... Você sabe o segredo de cada porção que vende. Sabe... Deve saber como posso eu recuperar...
-...Sr. Frank...,sabe..., no dia em que subi a rua até à casa da minha mãe, cansada e com aquele brilho de violinos nos olhos, tão dela... tinha eu nove anos.
Tinha acabado de fazer o exame de quarta classe com distinção. Foi um dos dias mais importantes da minha vida. Pela primeira vez, o Sr. Inspector quis saber o meu nome e eu, eu...senti-me no ponto mais alto do mundo...!
Corri para casa o mais depressa que pude, na expectativa de contar a toda a gente, aos céus, ao rio, e àquele rebanho de pessoas sem vontade a quem dizia Bom Dia todos os dias, o meu grande feito!
Pela primeira vez..., entrei em casa gritando, quando nunca antes tinha ousado mais que o neutro tom sussurrante, para que não dessem pela minha presença.
O meu pai vivia para pôr comida em casa, e eu respeitava muito isso, e a minha mãe, que o defendia a cima de todas as coisas.
Quando finalmente encontrei a minha mãe no quarto a coser umas calças velhas que o meu pai já nem usava, corri até ela, sentindo-me capaz de mudar todo aquele rumo, gritando-lhe: MÃE, EU JÁ SEI TUDO!
Ela olhou para mim serena. Olhou para mim mais uma vez como em todos os outros dias. Olhou para mim, e num olhar intensamente calado sorriu, num sorriso quase imperceptível como o da Mona Lisa. Imperceptível para os outros, não para mim.
- Mas...
- ...Desde esse dia, Sr Frank, que percebi o meu tamanho. Continuo a mesma. E se de segredos e de sabores vivo, a eles lhos devo.
Mas não posso trazer um sabor que acabou no passado, porque..., já não me pertence. Não o sei.
- Como pode tal chocolate ter-se perdido pelo caminho? Nenhum..., mais nenhum poderá tirar-lhe o lugar, o que fez... o que...
-...Hoje peguei no de outrora e crio a minha história a partir daqui. Não tenho baús Sr. Frank..., recuso-me.
-Mas foi você que reabriu isto!
-... Pela primeira vez toquei no chocolate com as minhas próprias mãos...
- Você é um fenómeno de iguarias para quem quiser procurar!
-... Pela primeira vez fiz embrulhos de laço com o meu nome...
- Não faz sentido essa modéstia baseada em tradicionalismos fechados! ...Todos o reconhecem! Mas você sabe que pode...
- ...Ouso trazer o que é e o que será meu.
- Desde aquele dia que percebeu que pode...
- ...Contento-me com o que recebo todos os dias.
- Você tem tudo para perceber o que aconteceu! Aquela carta...
- ...Um chocolate adocica as linhas da história de alguém. Cruza sonhos... Não encontrará aqui o que procura. Mas tenho algo que o poderá surpreender numa das minhas prateleiras da cozinha...
- ...Procuro um único chocolate, e você sabe qual!
- O Sr. Frank tem apenas uma estrela?
- Como? Apenas sei o que quero e o que posso obter!
- Cria ilusões sem querer Sr Frank.
- ...O que lhe disse sua mãe naquele dia?
- Tudo.
- Tudo?! A mim parece-me que idolatra um silêncio que tem como único pedestal, a contenção!
- Como lhe disse, tenho ali algo que o vai surpreender. Prefere ignorar para obter o que procura?
- Nem todas as divagações são úteis. E você sabe. Você sabe tudo o que poderia mudar...
- ...Sr Frank, quer saber mais daquele dia?
- O que sabe você?!
- Sr. Frank..., eu não sei nada.

Comeu o ultimo chocolate de caramelo da cesta de palha sobre o velho balcão, sorriu delicadamente, e dirigiu-se à cozinha, desaparecendo perante os olhos vidrados e impacientes do Sr Frank.

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Hiato

Sentada no banco do carro, tentava procurar fundo numa conversa que não havia. Irritava-me. Irritava-me os poros, as raízes dos cabelos, as extremidades das mãos e dos pés, as têmporas. Irritava-me a perda de tempo. Não pelas contínuas chamadas do relógio sobre o tablier, mas pela azia de mais uma conversa sem nó, sem mim. Mais uma, irritada.
Irritada neste ácido de gente que apenas procura gente. Irritada pelas interrupções, pelas saídas agrestes, pelos pasteis de nata que ficaram na vitrina da pastelaria. Irritada com as travagens, curvas e contracurvas da incapacidade capaz de conduzir tão bem nas ruas de Lisboa.
O café enjoou.
Irritada de hoje. De olhos irritados. Irritada de mim.
Não tenho loção, mas pus penso rápido.
Já não lhe sinto a dor face ao vento, face ao frio, face ao toque, face a mim.
Não vou procurar tal remédio. Nem sei se existe! Quero nem saber!
Os meus dedos encarregam-se sempre de saber exactamente o ponto da ferida.

Não me peçam para ter calma.
Não me peçam para ser agradável.
Não me peçam para aceitar.
Não insistam.
Eu vou ficar! E vou continuar!

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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

D'outro lado do Oceâno

Ainda teremos dores de barriga e orgasmos em 2050! Manuel Cruz


domingo, 29 de novembro de 2009

Estação Sem Nome


Quando naquela manhã hostil e fria fugia pelas ladeiras daquela que não era mais uma cidade, senti o gelo a quebrar-se no meu rosto inundado em suor, e seco do que mais poderia sobrar da minha essência, vi a plataforma dos padrinhos da razão para lá da vida. A vida, essa camada de nevoeiro que se atravessara no meu caminho.
Corria o mais depressa que a minha marioneta conseguia perante as ordens autoritárias do meu cérebro.
Finalmente, alcancei aquela plataforma enegrecida pelos inúmeros vultos impenetráveis e sebentos, que nela se arrastavam num guincho de faca afiada sobre pedra.
Esperei o que me pareceu ser um segundo escamoteado pelo destino, pelo cobiçado comboio... Cobiçado por detrás de mesas de bares da estrada, mesas de whisky, jogo e vício, salas de bocas vermelhas de baton de prostituta...
Num suspiro sufocado de alívio, de quem foge do tempo, ouvi aproximarem-se a aclamada locomotiva e o girar das rodas a alta velocidade sobre carris. Senti o odor do carvão, como quem pela primeira vez morre na fogueira vitorioso, por uma causa nobre, única e incontestável.
E foi então, que um clarão de luz encheu a humidade daquele negrume que em pânico se escondeu incomodado por detrás dos umbrais.
Sem hesitar, deixei-me mastigar pelos vultos que rapidamente se amontoaram nas entradas do comboio iluminado, agora parado, enorme.
Entrei na primeira porta que consegui.
Estava calor lá dentro. Não via mais o vapor do meu bafo, via as minhas mãos livres de malas, os meus joelhos livres de dor, ouvia as gargalhadas de inúmeras e diferentes bocas de saúde em faces rosadas. Respirei fundo e sentei-me. Arrisquei olhar o meu reflexo na janela embaciada, e, de repente, não era mais de noite. Não era mais uma penosa e escura manhã indefinida de Janeiro. Já não cheirava mais a esgoto, nem os meus pulmões suplicavam por ar. Pela primeira vez em tanto tempo indeterminado, senti o meu corpo coberto de carne, percorrido alegremente por sangue vermelho escarlate. Sorri e olhei para o lado;
E lá estavas tu. Tu, a ilusão de óptica do duplo vidro da janela. Tu por quem voltei tantas e tantas vezes de onde nunca parti sem saberes. Tu, para onde nunca voltei. Tu, que mais uma vez me olhavas nos olhos e me engolias o âmago, suspirando de volta borboletas de ar quente, de uma aura tão tua, tão minha, tão tu e eu. Adormeceram-me de novo os dedos dos pés com o teu calor, redobrou-se o brilho da minha retina envernizada pela tua alma.
Somamos num abraço, e nele, coube o sopro das memórias. E ali, coube o mapa da linha da minha mão e da tua. Ali, apertaste-me contra o teu peito acelerado pelo inexplicável.
Ia-mos a grande velocidade.
Mil vezes maior do que eu, e sem qualquer aviso, senti a carne a ferir em cortes agoniantes de uma dor ardente. Os teus dedos cravados nas minhas costas, cravavam-me agora aguçadas e longas unhas, como traiçoeiros dentes de cobra portadores de veneno fatal. O teu doce rosto quente espetava-me agora uma rude e desgastada caveira branca como a cal na minha face esquerda. Gelei. As gargalhadas cessaram em compassados gemidos escondidos longe de mim.
O comboio abrandou aos solavancos e a luz cessou concomitantemente com os meus sentidos.
Quando tudo parou, já o meu coração estava esverdeado e morto no meio do chão sujo.
Certeira, de novo a brisa gelada e frívola percorreu as carruagens abandonadas. Abandonadas por qualquer sinal de vida, rasto, ou história...
No meio daquele, de entre tantos outros destinos, desmaiado sob um banco de passageiro fantasma, podia ler-se num velho papel amarrotado pelas reminiscências:

Pudesse o passado deixar de ser o presente das bagagens.
Nunca teria entrado neste comboio. Nunca te teria conhecido.

Nunca ninguém soube do paradeiro de tal comboio sem volta.
Nunca ninguém leu tal papel.


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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Peter Pan na Terra do Sempre


Hoje..., fazia uma melodia com as luzes da larga praça da cascata... Hoje, fazia um batido de natas e chocolate da pastelaria da travessa número cinco... Hoje, comia das mãos de toda a gente... Hoje, simulava ser toda a gente... Vir de todos os países..., gerações..., casas..., realidades... Hoje queria ser a ilusão do sangue de cada um... Hoje, fazia dos teus lábios um capricho envolto em papel de prata vermelho! Hoje, fazia do teu olhar a minha lareira! Saltitando na calçada como quem segura indolentemente a corda da expectativa... Hoje, ria-me da impaciência... Hoje, via-me ao espelho de peito lacerado por pequenos punhais dourados... Seria Alice no País das Maravilhas, e Rainha de Copas, e procurava o tempo com o relógio do Coelho do País do labirinto encantado... Hoje morria no barco Pirata e acordava o cepticismo da existência! Apaixonava-me intensamente; não pelo engano do significado das palavras, nem por ti, nem por tudo, nem por mim... Apaixonava-me apenas.

Hoje..., houve uma história de alguém que não conseguia lavar o rosto todas as manhãs, porque tinha afiadas tesouras, em vez de mãos...

Hoje..., a dependência assumiu-se opaca e lisa.

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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pontos e vírgulas


E enfrento a frustração do não, comum. A frustração do mais ou menos, social. A frustração do mais uma, para quê? .

Sim, são conceitos distintos. Reconhecidos por todos e traduzidos por mim.
Gosto. É uma frustração prática que remete para as grandes perdas, e mistelas, e infinitos internos. É caminhar num degradé entre o meu espaço e o de todos.

É organizar em caixas. É encontrar o prazo para o melhor possível. É encontrar bem comum e mal que nunca sobre. É estar aqui.
Alucinação e razão espremidos da mesma esponja do mundo. Pela minha própria mão. E a força não é só minha. E descubro que também.
É não ter nada de delicioso para dizer do ultimo cabelo que morreu na minha almofada. É não ter brilho prepotente no meu fundo. É ter brilho nos olhos apagados pelo cansaço óbvio.
É direccionar sem avaliar os insignificantes passos da história.
E saber que no cubo cabe a esfera.
E que o cubo..., esse, esta dentro de uma outra esfera maior que não adormeceu, e que se faz sentir descuidadamente para lá das portadas da janela do meu quarto.
E assim, conheço e por vezes sinto sono.
Sono..., essa maternal colher de mel!

Porque sim. Há retalhos que fazem o vestido.

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Apaixonei-me

Há lá junção mais maravillosa ??!