sábado, 31 de março de 2012

Oxalá

Oxalá te visse tão bonito, quanto és.
A vontade de ir para além de mim a transbordar da vasilha.
Quando te encontro refundido, para que te veja melhor
Ou por mais tempo
Tempo que perco, quando lamento a angústia de não dar
O que em mim é vontade de dor
Tenho em quase tudo, a melancolia
Porque nela se guarda o vazio que trago do que não me foi admitido
E que, contudo, persiste
Como o dia e a noite, para o mundo
O lamento de te deixar permanecer longe de mim
Como a maior alegria do meu ego traiçoieiro
Não sei se me mata, se me afinca à ideia de morte
E a vida não passa comigo.
Oxalá
me soubesses tão bonita, quanto sou
Permanecesses quando a minha fealdade procura o pior
Quando me encontras singela do meu desejo de ti
Medo do teu fundo, que arrogante tento
Que com medo, sorrio
Mais tempo que te fujo, e permaneço
A dar tudo o que sequer posso
A não ter
Por não me veres a mais que na margem do rio
Aquando a sede
Aquando a fome
Aquando a fome da ausência
Não da assimilada
Mas da que nem a morte nos separa

Oxalá não soubesse.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Buena-dicha


Discernimento. É o que te faz descer lenta e compassadamente nessa escadaria de ferro, que conta os centímetros, como um banqueiro conta a fortuna.
Estamos os dois na balança da má sorte, quando te fizeste assim, alta, de vestido escorrido pérola, de decote medido ao mais ignóbil detalhe de prudência, e aberto até ao sinal libidinoso da minha mácula.
Perfeitos como nós assim. Tu lá do alto que desces. Eu aqui, numa espera conjecturada, por alguém que não eras tu assim.
Por nós passaram as ordens cinematográficas das grandiosas paisagens. Das pedras brancas, e dos sonhos latentes em romantismo pérfido e infalível. Por nós a lente da indústria da estética. Calculada na ostentação, que espera sempre a loucura e a vénia das multidões ritmadas, aos teus passos selectos na escadaria de metal, mais inquebrável que tu e eu, ali.
Na grande tela, somos sombras. E a sombra brilha, quando a ela é dirigido o aperto da imposição.
Na grande tela, ainda, ficou o ferro, face ao teu vestido ameno e serpenteante sobre o teu corpo, precocemente delineado, em ângulos arredondados do teu esqueleto mais ou menos simétrico.
Continuei à espera que as escadas me engolissem, me desfizessem a pouca elegância da minha espera flácida.
Eu sorria, nas tuas costas. Nas minhas, que afinal, eram as únicas que te sabiam tomar o gosto de cá de baixo.
Ouvir-te o aproximar dos tacões no cinzento bruto e oco, fez-me digno da tua vontade. Passo a passo. Baque a baque.
Roçamos ali os dois a meia medida dos gracejos, por entre gestos que nos venderam. Facilidades da beleza.
E quando te senti no chão que eu pisava, contei cada moeda do meu nobre mas fundo bolso. Eram tantas, minha bela, eram tantas...
E eu ali, no teu chão, de costas para ti, a sorrir do nosso acordo.
Eramos tamanhos, bela, eramos semelhantes. À má sombra da vida que nos trouxe até ali.
Aqui, com o carácter a ferver-nos no sangue, e o discernimento a decair-te aos pés por de baixo do longo vestido. O acaso viu-se pobre.
E eu imundo, tanto para o teu peito, como para a minha cintura. De mãos nos bolsos.
A ser a mais do que tu aos teus pés, e tão mole para as minhas próprias costas.
Discernimento delas. Que te recusaram o teu sorriso, sem o meu.
Dado o golpe da boa sorte, a grande tela caiu.
E de nessa, passaste a descer dessa escadaria todos os dias da minha alma.
Quando a há.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Ponto.


Acredito nos fedores e nos excrementos. Nos resíduos orgânicos. Tanto nos espirros como nos arrotos. Piamente.
Na porcaria, enfim. Porque a sua presença, prevê obrigatoriamente algo ou alguém. E em continuação desse, é parte integrante.
Não se trata, então, de obsessão pelo escárnio. Mas de escárnio pela obsessão.
O mediano e o melhor, são o que menos usamos com virtude. Uma busca enganosa da beleza, que oculta e desdenha a razão dos seus contornos.

Lixo, porcaria, merda..., se arreliam, são só palavras.

sábado, 3 de março de 2012

Clara

Quando de um punhado de convicções surge a deusa suprema
Esta delineia o divino aperto.
Falo-centros, costas quadradas
Estão sufocados pela sua própria indignidade
Dói
a fé que todos desenham com um círculo
É no centro onde ela se serpenteia
Dói
Esbelta, iluminada, lasciva
Olha-os profunda e intermitentemente,
como quem acaricia com as pontas dos dedos delicados e brancos, a sua pele
Que agora suada deseja
Cobiça mais do que tudo
Viril, mais do que a cima
Com a força bruta da carne definhada à vontade
Tresanda o maior
Mais do que a vida ou a morte
Sem que essas a limitem à efemeridade da qual se serve infinitamente
É cego o círculo terreno e perfeito
Cega-nos a luz do imo
Das ancas, dos cabelos, dos seios
Das linhas do rosto do rigor
Pretensão
desacreditada pela loucura da realidade
Baixos, de testa no chão imploram, agora
Por outra mão de escuridade que lhes valha
Pois que já não podem mais crer
Não amam
O âmago é feminino
E também ele findou indecente,
Dando lugar agora ao brilho do sangue
Nada mais humano
Nada mais poesia.