segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ressaca


Fiquei ali quieta, a percorrer visualmente as infinitas listas afixadas, naquele longo corredor de paredes adornadas com azulejo português. Para cá das janelas de beiras de alumínio viradas para as ruínas do edifício, fiquei a ouvir o meu próprio eco.
Apagaram as luzes, pegaram nos pertences pessoais, e após as oito horas, bateram a porta e rodaram a chave.
O meu eco cessou e deu lugar às vozes secas da velha repartição.
Permaneci inerte, inabalável.
De que me valia ter-lhes berrado a minha presença? De que me servia saber qual a porta de saída?

Poderia com ar fatigado fingir-me social. Vestir o sobretudo e acompanhar à saída o velho segurança, último a despedir-se de mais um dia de trabalho;
Boa noite Senhor Sousa! Está na hora de ir para casa fazer o jantar e descansar...Amanhã é um novo dia!
Ele, gentilmente, concordaria num largo trejeito com o bigode, e despedir-se-ia com um brilho nos olhos, escondidos por entre as rugas de um rosto cansado.
Mas eu sempre fora indiferente aos olhos da fadiga da repartição. Eu nunca partilhei a saída, e hoje não iria voltar a fingir que ia para casa.
Voltando a ouvir o eco dos meus passos no escuro, à luz de isqueiro, delineei com o olhar o espaço, e segui com o indicador pauta por pauta...à procura de um só nome.
Quando o relógio bateu as doze badaladas da meia noite, já eu entre quatro paredes, decidira partilhar a minha solidão comigo, e esquecer-me de que lá fora o mundo, a par do Inverno, mentia de chinelos de quarto nos pés.
Enquanto todos dormiam , tornei a verdade silêncio.
E antes do canto do despertar do primeiro pássaro, ainda fui a tempo de te segredar ao ouvido o meu Boa Noite..., que com sono, julgaste ser de quem se deita todas as noites ao teu lado.

1 comentário:

astolfo disse...

"ainda fui a tempo de te segredar ao ouvido o meu Boa Noite..., que com sono, julgaste ser de quem se deita todas as noites ao teu lado."

gosto.

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