domingo, 19 de setembro de 2010

(Corda-Cordel)


A milhentos mil passos...custa muito mais saber não sentires.
A milhentos mil passos...sei não saber-te pelo simples facto de não me saberes.
Quando alguém, que nunca tem e se habituou a não ter, recebe finalmente um presente num qualquer dia vulgar, esquece-se de lhe tomar o gosto.
Tece um mecanismo de funções e opiniões de gente e vultos que não interessam, e solta-o em cascata sem o sentir escorrer na pele..., nas linhas entre o coração e os pulmões. Entre mim e ti.
Estava sozinha, calada pela angústia do silêncio.
Sozinha, pousada ao teu lado! Não desculparia em mim tal engano! Este.
Chorei, bem para além de tudo o que me constitui.
Foi isso que fizeste.
Nada traduziste. Gaguejaste vulgaridade e ignorância.
A milhentos mil passos...seria menos doloroso desculpar-te a falha acéfala e grosseira de uma mente já incapaz de ousar. Incapaz de ser impiedosamente suave.
A milhentos mil passos...Uma montanha de linhas velhas e cotão escuro de coisas que não interessam. De coisas perdidas. De corpos insípidos sobre o teu corpo desalmado. De razões só tuas numa poltrona velha e arrumada no breu.
Já nada é teu. Se calhar nunca foi.
Não sei.
E eu?
A milhentos mil passos da ideia do vazio...
Podia dizer que era da lancinante falta que te sinto infinitamente todas as noites.
Todas as vezes que abro a janela já de dia.
Todas as vezes que vejo pessoas.
Todas as vezes que sinto o cheiro da chuva e de rochas molhadas pelo rio.
Todas as vezes que paro.
De todas as vezes que ouço em mim a alusão ao som de campainha de porta.
De cada vez que uso a sarcástica verdade em mim.
De todas as vezes que sinto o meu torso, desprovido do que não me deixaram ter e mostrar...
De todas essas vezes que não soubeste...
E que eu não andei. Rija.
Podia dizer
Mas nem o dom do sofrimento me beijaste
A tua inexistência completa, o meu asilo.
E agora sinto-me antiga de um reino que nunca existiu. E onde afinal, eu nunca estive, nunca governei, e onde ninguém me viu por engano de sensatez.
Que posso eu dizer?
Que posso eu dizer?!
Se eu não vim de lado nenhum, e sofro por motivos que a razão desconhece...
Resta-me dormir em chão de terra.
Um qualquer.
Sujo, húmido e verdadeiro.
Sentir-me finalmente sentir.
A milhentos mil passos do que julgam agora saber de mim.

A milhentos mil passos... continuarei a sentir uma lança aguçada e invisível a atravessar-me o peito.

E poderei então fingir-me saudável.
Se acaso chegar.
E deixar-te ao acaso da minha memória traidora.

...Essa majestosa e bela besta traidora.

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