domingo, 30 de agosto de 2009

(A)

Corre nas linhas inebriantes de quem percorreu a praia com ela antes..., e de quem dançou com ela sem a largar ontem... Encontrou tudo cedo demais..., quis tudo cedo demais..., teve tudo cedo de mais..., e depois perdeu. E cedo demais não existe. Foi cheia de sonhar, de brilhar. Cheia de hesitar por entre a ilusória segurança, forte, cantante, ela!
Vertical, possante, sem um único borrão na maquilhagem, procura aquela camisola, mas já não lhe fica bem!
No pequeno pátio das traseiras do apartamento fuma um cigarro, chora, escreve as falhas escondidas entre o seu calcanhar e o tacão dos sapatos vermelhos de camurça, que calça com classe. Vê um número de telemóvel num pequeno papel amarrotado na carteira por entre o bâton e os demais papeis de mil e uma coisas. Pega no telemóvel..., larga o telemóvel... Envolve as costas descobertas pelo lenço de flores elegante que trouxe...
Despe-se no corredor..., descalça-se na porta..., estende-se no sofá de couro da grande sala.., faz zapping, inconsolável, com o comando da TV com mil e um canais... Põe um filme no leitor de DVDs, aquela comédia romântica que saiu há pouco tempo no cinema..., com a tal actriz. Come bolachas, massaja a planta dos pés, ri-se às gargalhadas, as mãos massajam os pés com demasiada força, e a sua força não é bruta..., e amanhã estaria de novo sol...
Continuaria a fascinar o mundo, a conquistar o outro lado da mesa. Mas era ele que via. Ele... o receito? Ele... o abraço? Ele... o rude e ardiloso monstro da posse?
Era a sua anca bem definida que desenhava-lhe o carisma, como pó de arroz sobre a sua obrigação de querer sem saber, e ser feliz.

Não era agora aquela casa que queria, hoje não ia adormecer.
Ela não sabia. Ela não sabia que eu amava a ruela irregular de onde a observava, mas, apenas ou mais, com a utopia apática de vestir o seu vestido dourado por um dia..., por uma noite.
Não ansiava como ela, ignorava o desenho do que ela era ali, sentia-me lúcida nas minhas linhas rectas por entre o labirinto do estéril que me dava a beber todos os dias.
E sempre que a olhava de esguelha semelhante, através da minha pena tons baços e fortes , o brilho dourado fazia-me ver.
Como a lua, trago-te o brilho à noite. Mas não a ti.

Foto em Deviantart
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4 comentários:

Anónimo disse...

Tenho que confessar que por vezes os teus textos são um quebra-cabeças para mim, ao tentar descortinar o que querem dizer. Seja como for, gosto de os ler e compreendo que estão repletos de significado. Têm metáforas interessantes. Tens que me decifrar esta frase enigmática: "sentia-me lúcida nas minhas linhas rectas por entre o labirinto do estéril que me dava a beber todos os dias"! Bem, a Arte não é linear, não é directa. Beijos.

Cristina disse...

Gostei...vi-me!Até já literata!

blackbird disse...

Cristina, um dos meus maiores pontos de referencia, directa ou indirectamente!Sempre mais!

Bj :)

blackbird disse...

Vagabundo, sempre uma marquinha tua aqui! Sempre bem vindo!
Os meus textos aqui, são retalhos, individuais, virados para dentro... comuns por isso.
Aqui esta como que um cheirinho de uma caricatura muito subtil da "silhueta feminina" idealista ou não.
A masculinidade das minhas linhas rectas por entre o meu complexo labiríntico (feminino e não) tornam-se pequenos, e até pouco produtivos perante o estado de angústia retratado "dela", e não...
Uma pequena inveja salutar, uma admiração..., um "Q" de aproximação, um afastamento.
...

Obrigada! Beijinho.