segunda-feira, 5 de abril de 2010

Não sou gaga


Fora eu gaga... para me coibir legitimamente de te falar no elevador, enquanto nos olhamos. Juntos na subida do empreendimento imediato.

Só porque sim, os nossos horários são os mesmos.
Diria que me sorris, enquanto vejo os números de cada andar a avançar rapidamente por detrás do teu corpo. Tão opaco quanto a minha clausura.
Diria isto com toda a certeza até.
Antes. Precisava de ser gaga para me justificar pelo facto de não te fazer companhia à hora de almoço, quando me fazes sinal para que me sente à tua frente na mesa do refeitório.
Ou será só impressão minha.
Não, eu sei que me lanças o sinal mudo! Ao qual te respondo com a minha insignificância.
E arrumo os talheres para o lado no prato cheio de restos, que me impeço de ingerir quase em devoção ao mecanismo comum, quando mais uma vez limpo o tabuleiro do almoço, e volto para o trabalho.
Sou assim, faço um trejeito à vida quando me perguntam o que penso sobre o estado da economia nacional, ou sobre planos de compra e venda. Fosse gaga, para me justificar pelo meio mais digno de complacência, o meu trejeito quase desinteressado à vida. À minha vida. À vossa vida.
Que desculpa mais aflitiva que a de um gago, quando este se impede de entrelaçar o alvo de desejo em frases ao acaso, cara a cara, no meio do parque da vila?
Resignar-se à disfunção pouco atraente de cada vez que empurra em esforço as palavras, não é uma limitação tosca.

Se gaga fosse, olhar-me-ia todos os dias ao espelho e lamentaria a minha pena de disfunção da fala permanente. E seria validamente descompensada! E algures na minha revolta existiria o genuíno dissabor.
Não conseguiria em mágoa lustrosa, segredar-te bem, ao pescoço, palavras de elevado preço, para que te tentasses a igual religião de compromisso leal... Não conseguiria, e seria incapaz a preço de ouro. Dignamente. Soubesses ou não.
E assim? Que sabes tu? Se nem eu sei a que parvoíce me subjugam os dias?
Assim sou só estupidamente descompensada de valor, de capacidade mental que conclua a minha vontade.
Continuo em cantos. Sorrio de quando em vez... E, aqui e ali, faço um trejeito à vida.
Ignorem-me.
Enquanto me dou só e apenas ao sorriso que me ofereces todos os dias de manhã no elevador, sobre o fundo dos números de cada andar do prédio, onde nos encontramos taxativamente sem nos vermos.
Não acredito em mais.
E se mais me perguntarem..., nada conseguirei dizer. Para quê o meio se me falta motivo?
E até isto..., que é que isto me importa?
Não sou gaga. E não sei como nem quando to dizer.
Calo-me e é opção impotente. Consciente. E tenho pudicícia de tal vã altivez.

Foto em Deviantart

6 comentários:

João Ricardo disse...

Pelo motivo uma bússola ficaria imune à física! Faz-me lembrar: " O binómio de Newton é tão belo como a Vénus...Há é pouca gente para dar por isso".
*

Maria Rita disse...

Adorei a escrita. É ao que chamaria, no seu verdadeiro sentido, um carrossel de emoções. ;)*

Samuel Vidinha disse...

Já actualizavas esta merda!!!!

blackbird disse...

João Ricardo,
...Disse Álvaro de Campos.
Comentário nada ao acaso.:)
Obrigada por mais um grão, os moinhos preguiçosos agradecem. ;)

Frida*,
Voltas e voltas sem sair do sítio.;)
Muito obrigada!

Samu,
Uma palavrinha p'ra ti:
"Poço".
ahah :D

cristina disse...

Bela volta ao texto;)

Samuel Vidinha disse...

Se em vez de andares a correr para os MB's nua e toda esgadelhada, te dignasses a escrever uma merdita qualquer, isso é que era...

Tenho dito...