Assim faz-se melhor. E há quem seja absolutamente autêntico assim. Bem o sei. Há até quem se diga vivo pelo sol, e temperamental pela Lua. Há quem siga os passos do estado da alma, para abarcar todos os sorrisos num só anoitecer. Dança às estrelas, à volta da fogueira do cosmos, total detentor da verdade inquestionável. Assim fazem melhor. A harmonia humana, meditação sob o lixo doméstico, que mais não é que partilhar em refúgio o que sobrou ao fim do dia. Assim dizem-se resolvidos. E antes das quatro horas da manhã, há quem deixe o calor do abrigo para recolher ruas fora os restos da cidade. Assim faz-se melhor. E mais recusam-se a discutir, assentes na coerência da indolência soberana. Há quem seja absoluto assim, pois assim faz-se melhor. Roda-se a palavra amor por tudo o que se faz sentir, multiplica-se por infinito..., e no final de tudo, que se promete breve em alucínio , jaz a alma imaculada de fatalidade peremptória. Limpa de degredo. Larga árvore verde de análogas raízes. Cândida verdade assumida sob desfalque. O desfalque do sofredor e do sofrido que hesitam o dicionário das emoções. Porque o conhecem por dentro, através da peneira da mágoa, que não diz amo-te. Sabe-lhes inestimável o sabor. Assim faz-se melhor. E incalculável será o fim. E autêntica será a morte. Prudente. Assim faz-se melhor. Diz quem diz. Só em não dizer, apaixonadamente. ____ E porque sim...
Quase tudo porque agarrei quem fugia. Quase tudo pois quase tudo só me fazia crer tudo nela, que me dizias. Na mentira. A alma vazia que partiu rumo a um Porto... Belo Porto, que deixou para sempre em si a mágoa de uma promessa que se perdeu. Só minha.
E quando o autocarro cruza a ponte sobre o Douro..., de novo incho de história. Por ter desejado veneno, perco agora quem me ouviu, ouvindo-se comigo. E não só. E nem tão pouco por isso.
És igual a mim. E de mim sobra e subtrai... Sou antes, e amanhã já será outro capítulo.
As palavras cansam. E a mais que a preguiça, podia ser outra coisa. É cansaço de as juntar.
Arrogantemente, sei que durante muito tempo existiram pequenos empreendimentos que poderiam ter feito de nós, hoje, mais humanos. Há pouco e tanto tempo atrás, quando eu apenas queria a ambição incauta, pintaram-me uma máscara de palhaço triste. Hoje, não tenho direito à elegia considerável. Não fui forçada ao pranto, nem fui pintada por bestas selvagens, que me obrigassem a correr, a rosnar à Lua e ao caçador. Pintaram-me uma elegante máscara branca e triste, com uma subtil lágrima de escárnio e aversão em subterfúgio, com tinta preta permanente abaixo do olho direito. Há imenso tempo, talvez antes de ontem..., ofereceram-me ao mero acaso um insípido pierrot de plástico descorado e trapos. Mal acabado, de roupa aos folhos brancos e pretos e chapéu em fibra brilhante, foi por mim abandonado na velha prateleira. Um dia vieste ter comigo, estendeste-me a mão, e nela vi uma boneca branca como a cal, sem cabelo, de cara lavada, e um vestido com motivos florais, desbotado, até aos joelhos igualmente incolores. Estava descalça, e não apresentava qualquer rascunho de um sorriso no rosto de plástico. Tinha apenas uma pequena e dócil lágrima preta abaixo de um dos olhos castanhos. Joana. Joana de seu nome ímpar a qualquer arco-íris, sofisticação articulada ou a longos cabelos platinados. Incomparável a qualquer mutação brilhante ou feliz que me pudessem oferecer. Era agora a Joana. Companheira de viagens de quintal, sem mais nada. Por entre os trapos, trazíamos em nós o pequeno sonho de cumplicidade. Admirava a sua elegância despretensiosa, única. Doença sem começo nem objectivo. Apenas ficar ali comigo, para sempre. O tempo passou, e desde antes de ontem, quem sabe, numa dessas manhãs..., acordei em sobressalto. O meu corpo alongou-se no meu espelho. Ela tinha desaparecido. Ainda a procurei por todo o lado e não a encontrei. Estava velha e desfeita. Foi o que me disseram em tom de paciência. Paciência essa a peso de chumbo, que a impaciência de um não que me obrigasse a sair à procura do efémero nunca conseguiu equilibrar. A par da desordem, tive-vos a vida subliminar. Adoptei a cor, o sarcasmo como coador de tudo o que em mim é inegavelmente genuíno. Há muito tempo, talvez antes de ontem..., perdi a complacência humana do hino que fez verter a lágrima negra e permanente, que tenho abaixo do olho direito. Em mim, a Joana avelei no lixo. Às vezes..., ainda a ouço chorar. Foto em Deviantart
Ninguém é completamente feliz, pois não? Nem os heróis dos clássicos da grande tela..., nem a personagem linda e corada, de caracóis loiros ao vento, do velho romance de cabeceira. Nem o remate momentaneamente reconfortante do E viveram felizes para sempre dos contos de fadas, é sequer uma promessa de Paraíso. Nem as abelhas são completamente felizes na sua legítima e competente missão. Também sentem a morte, e o perigo, a infertilidade e a inconsciência humilde. Porque o seriamos nós? Nós, que nem sequer tivemos o (in)digno direito à predestinação saudável...! Trago o infortúnio todos os dias escondido no fundo do peito. E sei que todos os dias perdi alguma coisa apenas por sorrir e ganhar mais um dia de vida. Ou algo muito parecido com o mesmo nome. Sinto essa perda como a ternura de um beijo de boa noite, antes do apagar da luz do quarto. A cada vitória secreta, choro por dentro. Sabes... é o vento que se faz ouvir em mim. Fala-me de amor e rascunhos... Conta-me histórias de outros lugares e eu sinto-o abraçar-me, e, já envolvida, contento-me com o que me quer dizer. Abraça-me porque é o mensageiro oficial da mentira. E fá-lo com honra, verdade... Sem ele a verdade seca e crua matava-me. E eu... que tinha eu para lhes dizer? Por vezes, quando me deixa só..., fraca, esqueço-me de o pregar ao mundo. Leviana, mergulho em quem me cativa. E deixo, ignorante, as palavras perdidas ao acaso no silêncio. Não o tenho mais a segredar-me no que acreditar. E num impulso ingrato, deito tudo a perder... numa ousadia impertinente às portas da verdade suprema. A pena não tarda a ameaçar, e depressa sou obrigada a fugir. Sou demasiado pouco para me deixar vê-la e ser apenas humana. O vento contou-me histórias que eu lhes conto como minhas... E abraça-me. E foi por isso..., foi por isso que nunca fui capaz de o trair, de sequer ousar troca-lo por um só e celeste abraço carnal. O crime perfeito finge-se sempre à medida da nossa mão. Não descuides tal motivo...! Como a abelha que finalmente age de vontade e traça a existência quando pica... É ingrata a imprevidência! E eu já não descuido a morte. Já não descuido o dia... E daí, que já não me importará a hora... Foi por isto. Foi por isto e tanto que,hoje, não te abracei. Até lá..., acredita que me vou deixando por termo aos poucos, por entre o descuido da, para sempre nossa, utópica liberdade! É por tal motivo impagável, por ti..., pelo outro..., por ele... E por quem ainda virá... Que certamente valerá a pena morrer! (Única e suprema certeza.)
Este nevoeiro há um mês, mais de um mês de nevoeiro não se vê nada não se vê ninguém não vale a pena não se vê nada da janela mas ouve-se, sim, eu oiço motores, metal, não sei passos, às vezes gemidos Tu não ouviste?
É o exagero que brota prisioneiro nas minhas costelas! É do exagero que subtraio o bom tom! Sim..., o incerto da corda certa. A corda que me dança o corpo numa calmaria que em hipérbole, grita-vos a minha angústia. Contaram-me, que as grutas e cavernas..., que o choro e a podridão..., a solidão e o queixume..., eram, esses, cordas do diabo. Sonhos desfeitos e malogros do fado e da astenia. Juraram-me que a abstinência e a morte..., eram comparativas ao abismo. E que o abismo terminava-te o horizonte, numa queda a peso total, gravidade absoluta sobre um corpo impotente. Em jeito de fim, afirmaram-me o negativismo como o tempo perdido da tenra idade, da debilidade do sonhador ingénuo ou do vencido. Fim, limitavam-me eles... Alucinação feliz, a constante contradição dos problemas simples, retorquíam-me eles. É com exagero que vos digo que a mim a verdade pouco me diz. E que a mentira tem a perna tão comprida quanto a ilusão da vida. Falo demasiado de mim, e de mim não conto nada, e de mim enveneno-vos com o supérfluo e com o gasto. E de mim... O que importa de mim? O que vos importa de mim, se de mim, eu não tiver o que de pior julgais? Com exagero contei-me uma vez e outra, que com todas as cores se faz o negro. E quão brilhante o negro que a angústia me dirige a conquistar! E a quem porventura me ler; não se debrucem..., é exagero! _____
Sigilosamente, a overdose cíclica dá-te de novo o seco estalo. Aturdida, paras. Ris. Ris com vontade, sem a subtileza que te ditam. Sem o motivo que te cravaram na testa. Mas com a subtileza do exagero. O exagero de quem tem igual orgulho em chorar vigorosamente.