quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Adeus, que Deus não há!

Acordo e deparo-me contigo ao meu lado. Embrulhado nos lençóis. Escondido no labirinto sem começo nem fim da colcha. Apenas com o teu cabelo sempre revolto como a tua falta de vontade a aparecer aleatoriamente sobre a ponta da almofada.
Já não me lembrava de como eras bonito.
De como quando a noite levava consigo a lua já acendendo a claridade, tu adormecias tão profundamente. Na posição de feto. Protegido num injurioso útero feito de promiscuidade.
Já não me lembrava que os teus olhos de pupilas sempre maiores, ainda que frente a frente com o sol..., também se fechavam. Já não me lembrava de como eras bonito.
Na verdade, o baton escarlate que te vi nos lábios há tanto tempo, havia desaparecido.
Não me manchaste o lençol. Estava imaculadamente branco apesar de ti. Os caracóis que outrora te brincavam na nuca em espirais luminosas ao desafio, havias alisado, agora curtos. A tua pele, essa, continuava macia como o veludo novo.
Toquei-te ao de leve, e nem te mexeste. Dei por ti coberto de penugem por todo o teu corpo que antes conhecera limpo.
Talvez tenhas desistido dos outros. De mim.
Não sei...

Voltei ao de leve a acariciar-te a medo a testa, e depressa retirei a mão, horrorizada.

Estava a escaldar.

Queimei as mãos sem dor mas culpa. Como quem mete as mãos no fogo sem pensar.
Destapei-te rapidamente sob a aflição incontrolável que já não era mais do meu coração.
E fiquei ali...
A olhar para o teu corpo nu. Que ainda em brasa... Estava morto.
Deixei-me ficar estática na cama, o que me pareceu ser meses, anos a fio sem conduta, com as mãos esquecidas no meu rosto, de olhos vidrados e desabitados pregados em ti.

E então, com a lascívia da tua carne a deambular incorpórea na minha boca e na minha pirâmide genital,
ainda sou capaz de me arrepiar.

E lembro-me outra vez.
Que não é mais uma.

3 comentários:

João Santos disse...

dos melhores que li até hoje a todos os níveis, embora não os consiga categorizar a cada um de uma forma linear.. hoje é a minha vez, Estúpida!

;)

João Ricardo disse...

Da primeira à última letra foram... uns segundos! ;) clap clap

astolfo disse...

Sem dúvida, ao (teu) mais alto nível. Fica-te por aí, sff