domingo, 27 de dezembro de 2009

É só um rato.

Tenho um rato de baixo da minha secretária.
Tenho de o tirar daqui. Mas afinal, quem o mandou entrar? Alguém o convidou?
Tenho um pequeno rato de baixo da minha secretária.
Entre os meus desenhos e papeladas, livros, cadernos, frascos, fios e cabos de ligação.
Tenho um ratinho do campo escondido de baixo da secretária.
Se ainda não fugiu sem eu dar por isso, ainda aqui esta em silêncio, atento, entre a sorte e a prancha fatal do destino.
Que posso eu fazer? Pegar-lhe com a mão?
Não quero, nem conseguiria.
Abrir-lhe a porta à espera que se decida a sair e voltar para sua casa?
Não me parece que o vá fazer tão depressa. Esta com medo. Tem um compartimento enorme, cheio de esconderijos.
Assusta-lo e apanha-lo?
Com o quê?
Tenho mais soluções?
Não. E ele também não.
Já acordamos em silêncio que a morte não pertence à roda das hipóteses.
Eu evito-o e ele evita-me.
Não posso permitir que ele aqui continue. E ele não tem como sair, nem sei se sequer o considera.
Um rato selvagem não é por si um animal muito convidativo. E ele bane fugidio, a crueldade da minha companhia.
E agora estamos ambos aqui, num aqui e ali de cumplicidade na distância.
Tenho um roedor dos campos de baixo da minha secretária.
E também uma pedra no sapato, que não tiro, para não predispor o meu pé...
E enquanto estaco sem atitude, imbuída de indecisão, sinto-lhe o medo por entre o amontoado de coisas esquecidas, no fundo, na sombra, bem a baixo do tampo da minha secretária.

1 comentário:

cristina disse...

Roedor dos campos...companheiro de amontoados caóticos...tinham em comum esse gosto pela doce e acolhedora desordem...mas é sempre assim...quanto mais fácil se afigura a felicidade mais depressa tratamos da separação;)