quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Coisas.

Percebes, quando vou pela rua carregada de capas, e papeis, e trabalhos inacabados, e corridas contra o tempo, por entre a multidão, em passo apressado... Consegues perceber para onde vou?
Existem imensas coisas que tu nunca irás perceber. Não porque não lhes reconheças a utilidade, as portas, as margens..., talvez até melhor do que eu..., mas porque simplesmente não lhes sentes o cheiro e não lhes tocas com as tuas mãos.
Tenho parado demasiadas vezes o meu relógio preguiçoso na busca das horas que nunca existiram. E sabes o que encontro?
Saudades.
Não Saudade, esse significado único e português de realidades invisíveis que sufocam o peito de um só sopro..., mas saudades.
E afinal, não passa do mesmo..., em pacotinhos às cores, diferentes, que por vezes nos aparecem de surpresa por detrás de um qualquer pacote de arroz, numa das portas dos armários da cozinha.
E lá tenho eu de parar o ritmo alucinante para enxergar tal embrulhinho. Pegar-lhe e olhar para ele como se de um chocolate agridoce se tratasse. Revira-lo entre as minhas mãos cépticas. Olha-lo fixamente, perguntando-me a mim mesma se o devo abrir ou não e como.
Sob uma qualquer forma de entendimento o meu relógio pára para me olhar de lado... E é quando percebo que não tenho como o abrir.
Sou consumida por um misto de idealismo e razão, face à questão da existência de tais lembranças.
Tu como eu, sabes que é impossível. Não há nada para lembrar. Não há toque, não há o mesmo chão. E afinal, acaba por ser indiferente se tu concordas ou não. É impossível saber, não interessa saber.
Não sei o número de calçado que usas, não sei se guardas as meias enroladas numa das gavetas da cómoda..., não faço a menor ideia de como te barbeias. Não sei como és quando acordas, não sei como dormes..., como posso eu saber em que estas viciado agora? Para que quereria eu saber? Se a impaciência é verde ou negra. Se tremes o lábio inferior quando estas distraído contigo mesmo. Se é leite ou café nas horas de menos sabor... Se costumas ter as mãos quentes ou frias... Se é açúcar ou amargo...
Não sei. Não sei e como tal ignoro. E passo ao lado e nem reparo. E sou Sol, e senhora, e bailarina no espaço, e total, e manual de instrução, e diário aberto...
Fecho a porta do quarto por entre as imensas decisões que tomo nas horas erradas e também nas certas, e consigo ser cobertor e almofada sem resfriar.
Consigo.
E depois, há aqueles dias, em que as horas de sono, depois de mais uma panóplia de estórias, me fazem ser mais uma que abre o guarda-roupa, e que ao pegar na camisola mais quente, descobre um novo pacotinho colorido, esquecido nada ao acaso por entre camisolas, botas e calças...
São pedaços de ilusões. Mas quem disse que a ilusão não te conhece melhor que a realidade?

Hoje ignorei todas as embalagens das lojas de perfumes;
Os que sinto, não se vendem, não se perdem, não se acabam. Não cabem numa palavra, numa gaveta, numa hora, num frasco... Apenas existem algures no interior das portas dos meus armários.

Assim fico, e nada quero mudar;
A angústia do inútil.
A inércia da minha casa.
As saudades de um porvir que não será mais como foi.
Os passos que querem mais do que a vida, o incumprido que te adora.

E tu, não és mais do que os espaços entre as letras.

Foto em Deviantart

1 comentário:

Anónimo disse...

Maravilhosa a genuinidade e autenticidade com que transformas palavras em emoçoes.

Beijinho,gostei de passar por aqui.;-)

Carmen