segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Eram sete vezes e meia...


(...)
- Sim Sr. Frank. Tenho absoluta certeza de ter vendido um dia tal chocolate aqui no estabelecimento. Não eu, mas meu avô.
- Queira por favor relembrar-me o nome... Será impossível rever tal junção de iguarias...!! Sabe..., nunca soube da existência de tais sabor, textura, invólucro sedoso em mais lado algum. Inimitável, percebe? Eu...
- ...Sr. Frank, do tempo do meu avô... ficaram muitos segredos que nunca foram revelados.
Existem inúmeras gavetas vazias, armários de cartas antigas, marcas na madeira dos armários, instrumentos desaparecidos..., veja, até o sino da porta..., perdeu o badalo.
Acredite, muito o tempo levou. E, para além das receitas únicas com que esta casa brinda..., os restantes pedaços de história ficaram para sempre guardados em silêncio por esta humilde e familiar casa...
- Sei. Sabe..., a menina que sabe tudo sobre chocolate... Tudo sobre os segredos de cada ingrediente, qualidade... Você mudou a vida a muita gente, sabe disso... Você sabe o segredo de cada porção que vende. Sabe... Deve saber como posso eu recuperar...
-...Sr. Frank...,sabe..., no dia em que subi a rua até à casa da minha mãe, cansada e com aquele brilho de violinos nos olhos, tão dela... tinha eu nove anos.
Tinha acabado de fazer o exame de quarta classe com distinção. Foi um dos dias mais importantes da minha vida. Pela primeira vez, o Sr. Inspector quis saber o meu nome e eu, eu...senti-me no ponto mais alto do mundo...!
Corri para casa o mais depressa que pude, na expectativa de contar a toda a gente, aos céus, ao rio, e àquele rebanho de pessoas sem vontade a quem dizia Bom Dia todos os dias, o meu grande feito!
Pela primeira vez..., entrei em casa gritando, quando nunca antes tinha ousado mais que o neutro tom sussurrante, para que não dessem pela minha presença.
O meu pai vivia para pôr comida em casa, e eu respeitava muito isso, e a minha mãe, que o defendia a cima de todas as coisas.
Quando finalmente encontrei a minha mãe no quarto a coser umas calças velhas que o meu pai já nem usava, corri até ela, sentindo-me capaz de mudar todo aquele rumo, gritando-lhe: MÃE, EU JÁ SEI TUDO!
Ela olhou para mim serena. Olhou para mim mais uma vez como em todos os outros dias. Olhou para mim, e num olhar intensamente calado sorriu, num sorriso quase imperceptível como o da Mona Lisa. Imperceptível para os outros, não para mim.
- Mas...
- ...Desde esse dia, Sr Frank, que percebi o meu tamanho. Continuo a mesma. E se de segredos e de sabores vivo, a eles lhos devo.
Mas não posso trazer um sabor que acabou no passado, porque..., já não me pertence. Não o sei.
- Como pode tal chocolate ter-se perdido pelo caminho? Nenhum..., mais nenhum poderá tirar-lhe o lugar, o que fez... o que...
-...Hoje peguei no de outrora e crio a minha história a partir daqui. Não tenho baús Sr. Frank..., recuso-me.
-Mas foi você que reabriu isto!
-... Pela primeira vez toquei no chocolate com as minhas próprias mãos...
- Você é um fenómeno de iguarias para quem quiser procurar!
-... Pela primeira vez fiz embrulhos de laço com o meu nome...
- Não faz sentido essa modéstia baseada em tradicionalismos fechados! ...Todos o reconhecem! Mas você sabe que pode...
- ...Ouso trazer o que é e o que será meu.
- Desde aquele dia que percebeu que pode...
- ...Contento-me com o que recebo todos os dias.
- Você tem tudo para perceber o que aconteceu! Aquela carta...
- ...Um chocolate adocica as linhas da história de alguém. Cruza sonhos... Não encontrará aqui o que procura. Mas tenho algo que o poderá surpreender numa das minhas prateleiras da cozinha...
- ...Procuro um único chocolate, e você sabe qual!
- O Sr. Frank tem apenas uma estrela?
- Como? Apenas sei o que quero e o que posso obter!
- Cria ilusões sem querer Sr Frank.
- ...O que lhe disse sua mãe naquele dia?
- Tudo.
- Tudo?! A mim parece-me que idolatra um silêncio que tem como único pedestal, a contenção!
- Como lhe disse, tenho ali algo que o vai surpreender. Prefere ignorar para obter o que procura?
- Nem todas as divagações são úteis. E você sabe. Você sabe tudo o que poderia mudar...
- ...Sr Frank, quer saber mais daquele dia?
- O que sabe você?!
- Sr. Frank..., eu não sei nada.

Comeu o ultimo chocolate de caramelo da cesta de palha sobre o velho balcão, sorriu delicadamente, e dirigiu-se à cozinha, desaparecendo perante os olhos vidrados e impacientes do Sr Frank.

Imagem em Deviantart

1 comentário:

cristina disse...

mt bom...deliciei-m so com cheiro